Advertência: não se trata de jogar pedras na
Geni pós-moderna pequeno-burguesa[1].
Gosto de encontros, receber abraços, rever amigos queridos. Gosto de ouvir
canções de Natal. Não me culpo por parecer um menino-mija[2].
O clima de final de ano traz lembranças marcantes de nossa biografia,
independentemente de causar prazer ou dor.
Portanto, este texto tem gosto de autocrítica.
O problema apontado por mim aqui é a busca hedonista[3] de viés niilista de nosso tempo. Esse tema já foi discutido por mentes muito mais brilhantes e sofisticadas; portanto, não há ineditismo no que digo.
Trata-se de uma provocação à reflexão do que estamos fazendo de nossa vida e dos valores que espalhamos sem preocupação com a colheita obrigatória que, cedo ou tarde, virá.
Tampouco trata-se de discurso moralista para afirmar que isso ou aquilo é pecado – blá-blá-blá, mas que pode servir de análise de nossas ações no mundo e suas consequências às gerações futuras.
Será que esse modelo de sociedade que criamos é sustentável? Qualquer pessoa que possua mais de dois neurônios funcionando sabe que, no ser humano, funciona uma insuperável busca por prazer e satisfação[4]. Se o modelo de sociedade em que vivemos provoca mais dor, por que insistimos nele? Onde será que iremos parar com esse “salve-se quem puder”?
O que me levou a escrever sobre o Natal (mais uma vez – e já vai dando sono, eu sei) foi o artigo escrito por Flávia Boggio, na Folha de São Paulo, publicado no dia 6 de dezembro de 2023, com o título Calendário de polêmicas natalinas: familiares contribuem para tornar esta época do ano ainda mais miserável.[5]
+++++++++++++++
Vamos à bile produzida pelo “figão zangado”: (ver links abaixo)
https://espiritismosec21.blogspot.com/2023/03/pensar-com-o-figado.html
https://espiritismosec21.blogspot.com/2023/09/pensar-com-o-figado-ii.html
Luzes piscantes e multicoloridas penduradas em prédios de luxo como em Shopping Centers de um lado; escuridão sob as pontes de outro.
De um lado, a riqueza nos detalhes de vitrines exibindo variados produtos que estimulam o sistema límbico dos consumidores que nocauteia o córtex pré-frontal[6] que luta, inutilmente, para barrar a sanha consumista; e, de outro, a miséria sistêmica de não ter o que comer.
De um lado, regabofes* extraordinários com um minutinho de silêncio para uma breve oração e muitas horas barulhentas cheias de bocas fartas de tanto comer; de outro, a cesta básica com goiabada cascão e queijo como sobremesa e o sonho longínquo de um bife-a-cavalo e batata frita[7]
Festas que, de um lado, terminam com indisposição estomacal por excessiva ingestão de comida; de outro, ronco da barriga vazia por falta do que comer.
Muito investimento no presente e consequente penhora do futuro no uso dos cartões de crédito para poder imitar aqueles que dispensam parcelamentos.
Reuniões de família nas quais, não raro, terminam com trocas de farpas entre os que vivem próximos - prova cabal de que a perfeição só existe no imaginário dos que vivem distantes.
De um lado, troca de presentes entre amigos secretos, não raro inimigos disfarçados; de outro, presentes de troca – dados aos pobres em troca de salvação ridiculamente chamados de “tijolinhos do bem”.
De um lado, o céu estrelado visto através dos vidros que cobrem piscinas iluminadas; do outro, a laje cinzenta de viadutos espalhados pelas cidades.
Festa natalina em família, muitas vezes, uma reunião de pessoas que possuem as chaves da mesma casa.[8]
De um lado, o gozo imediato; de outro, a dor sem fim.
O sagrado – como fonte permanente de segurança psicológica passou a ser as mãos dos cirurgiões-plásticos que manipulam peles e silicones num ritmo acelerado de alternâncias entre frustrações e exibicionismos constantes.
Festas ditas cristãs, mas com todas as características das pagãs (nada contra os não-cristãos).
E a cereja do bolo: um papai Noel caricato que, em seu saco de presentes, traz uma máquina registradora[9], vestindo roupas vermelhas (será comunista?!) apropriadas para o frio da Lapônia[10] sob um calor dos trópicos que, nesta época do ano, atinge médias de 40 graus.
A noite passa, o dia chega e ninguém sabe ao certo quem era o aniversariante. O sagrado se liquefaz nas brumas de uma ressaca que até parece uma crucificação do corpo cheio de gorduras saturadas da “noite feliz”[11]; Corpo provisoriamente ocupado por uma alma oca e confusa.
Difícil? Quem disse que seria fácil pensar com o fígado?
*Regabofe: termo que indica festa com comida farta.
[1] Geni é um
personagem – vítima de intolerância, criado por Chico Buarque de Holanda.
Pós-moderno tem como uma de suas características o vazio existencial, sem
sentido, sem Deus, sem valores em que a existência possa se sustentar. Pequeno-burguês
seria a classe média que se debate desesperadamente para não cair na desgraça
da pobreza e se esforça para imitar os ricos.
[2] Menino-mija? É uma expressão de tradição do Açores (Portugal) em que as pessoas visitam as casas de amigos para saborear vinhos e licores, admirar enfeites e presépios à época do Natal. Para saber mais sobre essa curiosa tradição, acesse https://amodadoflavio.pt/2018/12/menino-mija/
[3] Hedonismo: doutrina que busca o prazer como
único propósito da vida.
[4] Essa busca por satisfação é um tropismo –
expressão utilizada em biologia em que plantas fotossintetizantes buscam por
luz.
[5]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/flavia-boggio/2023/12/calendario-de-polemicas-natalinas.shtml
[6] Em Neurociência, o sistema límbico é o
responsável pelo disparo de emoções em busca de satisfação e o córtex
pré-frontal que regula a explosão das emoções vindas do sistema límbico. O
marketing natalino retira a tampa do córtex pré-frontal, dando vazão às emoções
do límbico, agora convertidas em consumismo insaciável.
[7] Referência à música Rancho da Goiabada de
autoria de João Bosco e Aldir Blanc
[8] Jurandir Costa Freire: “família é um grupo de pessoas
que possui as chaves da mesma casa.”
[9] Alusão ao que disse Jaguar em O Pasquim.
[10] A Lapônia é uma região situado ao norte dos
países escandinavos. Sua temperatura média no mês de dezembro alcança a marca
de 15 graus negativos.
[11] Gorduras saturadas não sendo essenciais para o
funcionamento do organismo provocam prejuízos aumentando os níveis de
colesterol ruim (LDL) causando doenças cardiovasculares.
Esse planeta-escola (!!) caracteriza-se, em sua programação anual, por distrair os matriculados com datas festivas girando a existência no 'dia disso, dia daquilo, dia do acolá'.
ResponderExcluirInventam adereços, danças, canções, rimas, decorações, narrativas, apetrechos e bugigangas - efêmeras, materiais - ocasionando aos envolvidos o olhar para "fora" ao invés de olhar para dentro".
Essa dispersão alimenta o status quo dos que lucram financeiramente com isso.
Lastimo que os discentes sofram de insuficiência hepática...
E aqueles que foram vistos desconfigurados foram qualificados de tresloucados por aqueles que não podiam ouvir o trompete do despertar. - parodiando o famoso aforismo do Nietzsche.