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PAUSA PARA OUVIR LISZT

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VIVENDO NA VOZ PASSIVA

  Fui a uma farmácia comprar um medicamento específico. Ao chegar no caixa, vi uma propaganda dessas panaceias* para quem está com problemas no aparelho digestivo. * panaceia : planta, beberagem, simpatia, ou qualquer coisa que se acredite possa remediar vários ou todos os males. Lá dizia: O fígado atacou ? Tome (a tal panaceia) que resolve! Pensei: o sujeito vai a um bar, toma meio litro de cachaça acompanhado de meio quilo de torresmo, passa mal e diz: o meu fígado atacou . Como se o infeliz do fígado tivesse alguma coisa a ver com sua extravagância. A meu ver – me desculpem os amantes de torresmo com cachaça – a frase deveria ser na voz passiva: o fígado foi atacado ? Então tome a tal panaceia . Nesse caso específico, ao mudar de voz ativa para a voz passiva, transfere-se para o verdadeiro agente da desgraça orgânica a responsabilidade pelo fígado reagir à comilança. Lembro-me, há muitos anos, de ter participado de uma disputa de vaga para um carguinho numa empresa d

MORTES SUCESSIVAS - um incômodo lembrete

  A melhor maneira de morrer é viver intensamente a vida instante a instante. A ideia trazida pela frase acima é muito antiga – quando o latim ainda era língua viva em que se dizia carpe diem. [1] Em oposição à ideia de “vidas sucessivas” temos as “mortes sucessivas” e estas são tão importantes e variadas quanto às primeiras; por esta simples constatação é preciso associar ambas ao cardápio da existência. Em nossa existência, há aquelas mortes diárias, semanais, mensais configuradas na separação, na demissão inesperada, na frustração de algum projeto; e há aquelas que ocorrem uma vez só e fim. É inevitável não lembrar de Haroldo de Campos nos versos “Nascemorre”: Todo reencarnacionista sabe que as vidas sucessivas – nesse vaivém indefinido como sugerem os versos acima - treinam o espírito em variados exercícios para o desenvolvimento da musculatura do caráter. Um deles, que deixa a gente bastante dolorido é o danado do exercício do desapego. A “musculatura” dói mais do que

SUSPEITA FILOSÓFICA

Quanto ao dia e à hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai. Jesus. Mateus, 24:36  ++++++++++ Quando se é capaz de suspeitar de si mesmo, essa conduta intelectual aproxima o pensador de um patamar mais profundo da existência e o põe a caminho da humildade. Também o vacina contra as certezas na apreensão, pelos sentidos, da realidade que o cerca. Num pequeno livro, porém grande em conteúdo, Scarlett Marton dedica-se à defesa de Nietzsche, chamando-o de “filósofo da suspeita”. [1] Creio que Nietzsche não errou em boa parte de suas críticas. Ouso dizer que ele errou na dose, porque há remédios que podem curar doenças, mas dependendo da dose, podem matar o doente. Por isso, este grande pensador alemão é tratado como “o filósofo do martelo”. O exercício da suspeita é muito saudável quando combinado com a noção de humildade; mas é um veneno quando acompanhado pelo orgulho. Esse “caminho do meio” me parece a chave para não cairmos em armadilhas

A MORTE DA GRATIDÃO

Toda vez que alguém evoca o “direito de” quando recebe ajuda, automaticamente desaparece no horizonte qualquer sinal de gratidão, porque se, de fato, há direito, não é necessário agradecer.   O inverso é verdadeiro: toda vez que alguém oferece ajuda e espera gratidão, anula-se a noção de direito do outro, gerando uma sutil noção de favor feito, de esmola dada que pode, eventualmente, desumanizar aquele que recebe. Com esse dilema posto, podemos calcular o tamanho do desafio proposto pelo Mestre ao dizer: não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita. [1] Suspeito que, se déssemos com as duas mãos, evitaríamos conflitos internos e, quem sabe, menos constrangimento àquele que recebe. Mas isto é só uma conjectura com o verbo “dar” flexionado no pretérito imperfeito do Subjuntivo [2] . A busca por um novo paradigma, que valorize a gratuidade, a compaixão e o reconhecimento mútuo, se torna um desafio urgente. É preciso questionar o individualismo exacerbado, ressignificando o con

BONDADE PRESUMIDA

A presunção de bondade é uma praga que se espalhou no movimento espírita e que contaminou boa parte do seu staff. [1] Muitos que foram incubados por esse vírus o foram por ingenuidade, acreditando que, fazendo caridade a torto e a direito, acabariam ganhando o visto no passaporte para o suposto mundo de regeneração ou para alguma área VIP de Nosso Lar. Outra parte, o faz para ganhar capital simbólico, mas mesmo com essa urdidura acaba acreditando que é do bem. Só o fato de se considerar bom já é o ovo da serpente chocado no âmago da alma do candidato a santo. Jesus já advertia para o perigo dessa moléstia com uma radical afirmação:   “Bom, só Deus o é [2] .” E se somente Deus é bom, segundo a palavra do Mestre, então ninguém mais o é. Daí a necessidade diária de olharmo-nos no espelho, demoradamente, não para se maquiar [3] , mas para um exame profundo de nós mesmos para saber o real tamanho do pó que nos compõe. Difícil? Quem disse que seria fácil? [1]   Staff

AMAR - Pequena reflexão

Algum tempo atrás, uma querida pessoa, leitora deste Blog – a MônicaMaria, fez a seguinte pergunta: Você acha que o amor pode apresentar movimentos de “retração” e de “expansão”, dependendo dos movimentos da vida?   A pergunta parece fácil, mas é difícil. Cheguei a escrever muitas páginas para responder à questão, mas acabei optando por uma resposta reduzida. Espero que com ela, eu possa ter contribuído para a reflexão deste importante tema. +++++++++++++++ No registro dos evangelhos, Jesus solicita que nos amemos uns aos outros como ele havia exemplificado. E mais, diz que todos reconhecerão os seus discípulos ou seguidores pelo amor que têm pelos outros. [1] A frase é forte, mas justa e clara, porque o ensinamento está baseado não só em palavras, mas em atitudes do Mestre. Esse amor o qual Jesus se refere é o amor fraterno, desinteressado e libertador. Bem diferente da forma que o vulgo ama. A maioria de nós, eu – pessoa comum, ainda não tenho a capacidade de amar des