Somos humanos, demasiadamente
humanos[1]
e nossa humanidade baseia-se na linguagem. Isso é evidente.
Qualquer tipo de busca, por
exemplo a “humildade”, está fadado à frustração.
A busca pressupõe algo vindo da
razão e esta tenta criar conceitos em tudo o que busca. A razão utiliza o
artifício da comparação e os afetos não funcionam assim. Toda vez que me
comparo com alguém, na verdade estou comparando algo que conheço pouco – eu
mesmo, com algo que não conheço nada – o outro.
Mas o conceito vem carregado de
cultura, e a cultura é produto da linguagem, e a palavra é o tijolo da
construção conceitual, nunca a coisa em si. Enquanto a razão busca a palavra “humildade”
que é intenção, a vivência é o gesto. E sabemos, segundo Rui Guerra: há
distância entre ambos.[2].
Enquanto a vida é
vertiginosamente dinâmica – tudo que é agora, não será o mesmo no segundo
seguinte, a palavra é a tentativa de manter-se aquilo que escapa por entre os
dedos; é a esperança angustiada de eternizar-se. É a razão querendo tudo
rotular: isso é bom, aquilo é ruim etc. E se a razão me faz pensar “sou
humilde”, a contradição se instala imediatamente, porque essa ideia de que “sou
humilde” já é vaidade em curso. Um paradoxo.
A ação intransitiva, espontânea não tem nome. Ao pormos nome já haverá contradição. Talvez, por isso, o Tao Te King começa da seguinte maneira:
O caminho que pode ser expresso não é o Caminho constante
O nome que pode ser enunciado não é o Nome constante
E por sermos humanos,
demasiadamente humanos, somos contraditórios como o cão que, enquanto diz sim, o rabo diz não[3].
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Referência à obra “Humano, Demasiado Humano” de
Friedrich Nietzsche
[2][2]
Referência à canção Fado Tropical de
Chico Buarque de Holanda e Rui Guerra.
“Meu coração tem
um sereno jeito,
E as minhas mãos o golpe duro e presto.
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto.
Se trago as mãos
distantes do meu peito,
É que há distância entre intenção e gesto.
E se o meu coração nas mãos estreito,
Me assombra a súbita impressão de incesto." (...)
[3] Paráfrase à canção Flamboyant, Emílio Santiago.
Da animalidade a humanidade, quão longo percurso percorrido, desde a comunicação gestual à verbal.
ResponderExcluirSejam pelas emoções, pelos gestos ou conceitos ou ser busca manifestar-se, pois não há como viver incomunicável.
Prova disso é o seu Blog e o meu comentário!!!
Já a humildade virá com naturalidade quando nos expressarmos em outra forma de comum-ação.
*o ser
ResponderExcluirDemasiadamente humanos, e nem sempre nossas palavras refletem nossos pensamentos e sentimentos. Como o rabo do cachorro dizemos sim quando queremos dizer não.
ResponderExcluirVocê como sempre balançando nossos conceitos. Grata por isso
A profundidade me inibe comentar a reflexão. Entretanto, contemplo-a como uma obra de arte, convicto de se trata de algo admirável.
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