
“Figão”
é o jeito que alguns mineiros do sul de Minas costumam se referir ao fígado.
É
comum, médicos que trabalham naquele pedaço do Brasil atenderem gente simples com a queixa de terem comido alguma coisa que lhes fizera mal, expressando-se
assim: “doutor, o figão zangou”.
Por
extensão, “figão zangado” também pode indicar alguém com mau-humor.
Parece
que, hoje, acordei com esse órgão zangado o que me levou a escrever esses
pensamentos ligeiros sobre diversos temas temperados de ironia.
Alguns
acharão engraçado; outros dirão que destilei bile pura. Não tem problema. I
do my best.
Mas cabe esse tipo de
pensamento num ambiente espírita-cristão? – indagará alguém.
-
Creio que sim - respondo eu a esse candidato a querubim questionador.[1]
Quem estuda o Espiritismo não deve criar tabus em torno de qualquer tema. É por
isso que o meu primeiro ponto vai para esse assunto:
1)
Espiritismo: é aquilo que uma boa parte dos espíritas não sabe o que é.[2]
2)
Esperança: apesar dos reveses, é acreditar que ainda há juízes em
Berlim.[3]
3)
Amizade: é uma relação concreta e cada vez mais rara no mundo das redes.[4]
4)
Justiça: é aquilo que, muitas vezes, contraria as nossas expectativas.[5]
5)
Religião: poderosa muleta com a qual o indivíduo enfrenta as
vicissitudes da vida.
6)
Oração: é você dizer o nome de um analgésico repetidas vezes na
esperança de aliviar a dor.
7)
Trabalho: castigo divino para todos os seres da criação. Para o ser
humano, esse castigo se destaca sobretudo no regime capitalista. É raro o trabalho dar prazer no universo de trabalhadores, neste caso, ocorre principalmente para os que mandam.
8)
Fé: ilusão de que somos capazes de realizar todos os nossos desejos.
9)
Felicidade 1: é a capacidade que um indivíduo tem de ser indiferente ao
que se passa ao seu redor.[6]
10)
Felicidade 2: é saber lidar com a angústia existencial.
11)
Sabedoria: é estar convencido do quase nada que se sabe.
12)
Elite: é um grupo menor de pessoas constantemente observado por um grupo
maior de pessoas invejoso e ressentido.
13)
Maturidade: é quando você se convence que 95% da vida é suor.
14)
Humildade: quando você percebe fundamente que não é tão importante
assim.
15)
Ódio: é o sentimento mais autêntico do ser humano.
16)
Amor: sentimento que acreditamos ter quando, na verdade, é só simulacro.
17)
Esperança 2: é um dos males que ficou no fundo da caixa de Pandora.[7]
18)
Mentira: uma boa ferramenta para a manutenção da sociabilidade.[8]
19)
Verdade: entre nós humanos, a verdade é a mentira travestida.[9]
20)
Direito 1: é o que é determinado pelos que estão no poder.
21)
Direito 2: é o que povoa a cabeça de gente que não pensa nem um pouco
nos seus deveres.
22)
Vaidade: sentimento que, sutilmente, domina aquele que se acha bom.
23)
Frustração: é frequentemente o soco no estômago da prepotência.
24)
Otimismo: é a aposta na frustração, porque se trata, não raro, em
acreditar que sempre haverá uma chance.
25)
Pessimismo: é a suspeita que sempre haverá a chance de piorar.
26)
Coragem: é olhar o mundo com lentes poderosas e, mesmo assim, não pensar
em suicídio.
O
que não implica em covardia de todos os que se suicidam.
27)
Política: é um modo de matar o outro chamando-o de “excelência”.
28)
Pornografia: copio o que disse Saramago: pornográfica é a fome.
29)
Família: é uma maneira de amar um pequeno grupo de pessoas, ao mesmo
tempo, ser indiferente ao resto da humanidade.
30)
Perdão: é uma forma requintada de desprezo por alguém.
31)
Inveja: é uma deusa que faz o Capitalismo mais forte.
32)
Saúde: algo difícil de se manter e que, cedo ou tarde, perderemos.
33)
Velhice: é o estágio de vida que os tolos chamam de “melhor idade”.
34)
Caridade: é o que a maioria faz para obter lucro metafísico.
Difícil?
Quem disse que seria fácil?
[1]
Querubins são a ordem mais
elevada dos anjos no pensamento judaico-cristão.
[2]
Estou colocando
aqui a maneira como conceituo Espiritismo. Voltarei a esse tema em outra
ocasião.
[3]
A expressão vem
de um conto no qual um moleiro foi chamado à presença de Frederico II, rei da
Prússia, que queria comprar sua propriedade. Diante da negação do moleiro,
Frederico o ameaçou, dizendo-lhe que poderia confiscá-la, se quisesse. O moleiro,
então, obstinado em não ceder, diz ao rei: devo lembrá-lo, majestade, que ainda
há juízes em Berlim.
[4]
Zygmunt Bauman – sociólogo
polonês, apontava em seus ensaios sobre a liquidez com que as novas
gerações se relacionam. Dizia que, aos 90 anos, tinha um número de amigos que poderia ser contado nos dedos das mãos e surpreendia-se ao ver que jovens de 15 anos já possuíam
centenas de amigos - virtuais, é claro.
[5]
Como seres intrinsecamente
egoístas queremos sempre que a justiça se faça a nosso favor. Como caetés,
queremos puxar o Sardinha para nossa brasa*.
*É um chiste meu ao falar do primeiro bispo do Brasil - Dom Pedro Fernandes de Sardinha que, em 16 de junho de 1556 a embarcação em que estava naufragou.
Capturado, foi devorado pelos índios caetés.
[6] É pertinente citar
Emil Cioran: desconfio das pessoas felizes, porque certamente estão
alienadas do mundo que as cerca.
[7]
A caixa de
Pandora é uma história mítica na qual os deuses, querendo castigar a
humanidade, reuniram numa caixa todos os males possíveis e
imagináveis. Pandora, esposa de Epimeteu não resistiu à ordem dos deuses para
jamais abrir a caixa. Ao abri-la, percebeu que todos os males escaparam e se
espalharam pela Terra. Desesperada, Pandora fechou a caixa e o que sobrou
dentro dela foi a Esperança.
Entre as interpretações dadas a essa
história mítica, uma me agrada: a de Nietzsche. O filósofo dizia que a Esperança
é um mal para a humanidade como todos os outros que escaparam da caixa.
[8] Faço referência a
Nelson Rodrigues que dizia: mintam por misericórdia.
[9]
Alusão ao conto
em que a Mentira rouba as roupas da Verdade e sai pelo mundo apresentando-se como a Verdade. Há um quadro famoso produzido por Jean-Léon Gérôme que
representa esse conto: A verdade saindo do poço (1896).
Interessante 21 acepções, gostei. 😉 Outras 06, penso diferente 🙃 E 07... será!?! 😶
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