Há uma peça para teatro escrita pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre intitulada “Huis Clos” mais conhecida entre nós pelo título “Entre Quatro Paredes” onde Sartre explora, entre outros, o tema da liberdade – tema tão caro ao pensamento desse filósofo.
A peça é encenada em um apartamento que simboliza o Inferno onde três personagens interagem com a figura de um quarto – o criado.
Não interessa aqui explorar a peça em todas as suas complexidades, mas de chamar a atenção para a fala do personagem Garcin que, ao fim da peça, exclama: “o Inferno são os outros”.
Há quem diga – gente com repertório imensamente maior do que o meu -, que devemos entender que “os outros” não são o inferno, mas nós é que somos o inferno.[1]
Esse tema traz muitas inquietações àqueles que pensam a vida de forma orgânica, não simplista.
Meu palpite é que a frase de Garcin confirma para mim o que desconfio: que os outros são o inferno, porque o outro, a quem não posso me furtar da companhia, constantemente me atormenta, me cobra, me desafia. Eu que gostaria de viver em paz gozando de companhia de gente que pensa como eu, que gosta do que eu gosto, que reage como reajo; mas não! Tenho de conviver com malas sem alças o tempo todo: no trabalho, no clube, no passeio, no trânsito, em casa. Todos, o tempo todo, prontos para me contrariar tornando minha vida um inferno sem fim.
Jesus chamaria esse desafio de “tentação” segundo interpretação de Ubiratan Rosa. Por isso, esse autor diz que Jesus, ao ensinar aos discípulos e, por extensão, a todos nós, a orarem, solicita à Deus que não deixe que caiamos em tentação, ou seja, que esses desafios próprios da vida em sociedade não provoquem a queda certamente configurada no corrosivo ressentimento, no monoideísmo da vingança que envenena a alma.
A quarentena tem transformado a vida de muitas pessoas num inferno; por duas razões:
1) Na convivência constante e obrigatória de outros comigo, entre quatro paredes, percebo que o inferno são os outros;
2) Caso esteja só – e a solidão compulsória é angustiante, na convivência comigo mesmo, entre quatro paredes, percebo que o inferno sou eu.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] O Inferno somos nós por Monja Coen e Leandro Karnal, Papirus 7 Mares, 2018
Créditos:
Música: trilha sonora de autoria de Vangelis para o filme Blade Runner dirigido por Ridley Scott, 1982.
Telas: Edward Hopper (1882-1967)
Cena do Filme Blade Runner com o ator Harrison Ford. Nesta cena fica evidente a solidão profunda em que o personagem está mergulhado.
Arte e Formatação: Tiago Spina
Bravo! Nenhum homem é uma ilha.
ResponderExcluirBem isso...tenho visto muitas pessoas ansiosas, aflitas, por não conseguirem lidar com a solidão, com os limites impostos pelo externo, e mais! Não conseguirem lidar consigo nesmo!!! Neste caso, o inferno somos nós!
ResponderExcluirMas, em outro ponto, vejo cada vez mais a intolerância às diferenças! Quando estas levam, de fato, ao crescimento...
Realmente, somos muito complicados...e nada é fácil...
Querido Humberto tenho refletido muito e trabalho isso na terapia. Falta de empatia, individualidade, intolerância, muito difícil nesse momento de tanta confusões , mistura de sentimentos, tudo junto aliado a uma pandemia que mata tantas pessoas diariamente e não melhora pq as pessoas são individualista. Logo me lembrei dilema do porco-espinho é uma metáfora criada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer que ilustra o problema da convivência humana. Obrigada por brindar bom seus textos. As vezes demoro para colocar em dia mas, é importante pra mim. Abraço
ResponderExcluirApreciamos o hall e a sala de visitas que o outro se mostra a nós, porém na medida que conhecemos outros compartimentos da casa mental alheia aí a con-vivência se torna um exercício e tanto entre pares... e 'ímpares'!!
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