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PROVIDÊNCIA DIVINA

 

                                                       Albrecht Dürer (1471-1528)

O que é Providência Divina?

Providência ou Providência Divina é um conceito muito abrangente com o qual várias correntes religiosas, filosóficas, teológicas, têm lidado.

Resumidamente, é a crença em que Deus ou deuses interferem em favor das criaturas atendendo aos seus apelos e necessidades, dando-lhes proteção e sentido na vida.

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Há inúmeras citações desses termos em obras espíritas – o que não é de admirar, porque a doutrina espírita é cristã e o Cristianismo traz em sua estrutura básica a fé como um de seus pilares, assim disse Paulo, o aposto em sua primeira carta aos Coríntios.

Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor.

1 Coríntios, capítulo 13, versículo 13.

Mas há algo que me causa estranheza na passagem onde Jesus diz que não é preciso pedir nada a Deus, porque Ele sabe do que precisamos antes mesmo dessas necessidades surgirem.

Por outro lado, é curiosa a expectativa do crente em ansiar por uma resposta positiva de Deus na satisfação de algum desejo. E aí vem minha suspeita de que há algo errado nisso:

Primeiro porque, ao pedir, há em mim a presunção de que mereço ser atendido. Isso já é um problema. Dizem que Deus gosta mais daqueles que se confessam pecadores. Olhe essa passagem do Evangelho de Lucas, 18:9-14:

A parábola do fariseu e do cobrador de impostos

Em seguida, Jesus contou a seguinte parábola àqueles que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os demais: “Dois homens foram ao templo orar. Um deles era fariseu, e o outro, cobrador de impostos. O fariseu, em pé, fazia esta oração: ‘Eu te agradeço, Deus, porque não sou como as demais pessoas: desonestas, pecadoras, adúlteras. E, com certeza, não sou como aquele cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo que ganho’.

“Mas o cobrador de impostos ficou à distância e não tinha coragem nem de levantar os olhos para o céu enquanto orava. Em vez disso, batia no peito e dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, pois sou pecador’. Eu lhes digo que foi o cobrador de impostos, e não o fariseu, quem voltou para casa justificado diante de Deus. Pois aqueles que se exaltam serão humilhados, e aqueles que se humilham serão exaltados”.[1]

Se eu estou submetido às leis da Natureza e peço a Deus que as revogue para satisfazer algum desejo meu, e Ele as revoga, então Suas leis não são tão perfeitas assim.

Se elas são perfeitas, como acreditamos, em tese, que sejam, três situações se apresentam:

1)  Ora, se as leis de Deus são perfeitas, Ele teria de mexer na sua estrutura para piorar aquilo que já é perfeito – as Suas leis, para atender aos meus pedidos. O que é um absurdo.

2)  Ou Ele tentaria melhorar o que é perfeito; o que seria outro absurdo, porque não dá para “melhorar” aquilo que já é perfeito.

3)  Ou Ele destruiria toda a realidade existente para construir  outra com o fim de satisfazer o meu desejo. Neste caso, seria uma insanidade, porque inclusive eu e os meus desejos seriam destruídos para que Deus pudesse atendê-los.

Ou seja, ao acreditar que aquilo que está fora do meu alcance, devido às leis da Natureza, não pode ser mudado, é inútil eu pedir.

É importante lembrar que, ao longo da vida, nossa autonomia é bem reduzida [leia o texto deste blog (link abaixo) com a versão longa. Existe a versão curta para quem tem pressa]. Não temos muito controle do que se passa em nós e ao nosso redor.

https://espiritismosec21.blogspot.com/2023/02/livre-arbitrio-100-de-1-versao-longa.html

Se peço a Deus algum bem e não sou atendido, assim é porque assim é.

Se peço a Deus algum bem e sou atendido, assim é porque assim é.

Então, não se deve orar?

É claro que devemos orar, mas que seja uma oração à moda de Kierkegaard:

A função da oração não é influenciar Deus, mas mudar especialmente a natureza daquele que ora.

Então, o que fazer?

É direito, assim como é natural, que cada um de nós busque saída que aumente nossa alegria e reduza danos. Mas temos de pôr nessa equação a clareza de que nem tudo, quase tudo, não está sob nosso controle.

Diante de qualquer situação difícil em que não consigo agir para modificá-la, o melhor é ficar quieto e seguir em frente, com coragem e da melhor maneira possível, mesmo que eu saiba que logo adiante o abismo me espera.

O nome dessa atitude é fé.

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] É certo que Djavan e muitos outros também não possuem grande simpatia com os coletores impostos. Ouça, por exemplo, a canção desse músico chamada IMPOSTO.

https://www.youtube.com/watch?v=J6OFl91miLQ

 


Comentários

  1. Como disse Regina no nosso grupo, esse texto me remete às nossas aulas, em que cada dia tinha desconstruídas ( construídas?) minhas ideias sobre fé, oração, doutrina, VIDA. Lembro claramente dessa aula quando vc discutiu conosco sobre o pedir a Deus em oração, e foi quando Silvia, na saída me disse q iria cortar os pulsos! Kkkkk porque realmente não é fácil perder um chão de uma vida inteira, mas é tão necessário prá se viver o iminente! Obrigada, humberto!

    ResponderExcluir
  2. Lembro que quando conheci esse pensamento do filósofo, em linhas gerais, a interpretação comparativa era que aquele que abria a janela na aurora via a paisagem solar e dela se iluminava enquanto os que mantinham a janela fechada nem imaginavam e usufruiam da beleza natural.

    Quem desenvolve o contato com a espiritualidade enxerga prismas de confiança. O contrário é como se mantivesse no sopé da montanha sem conjecturar a paisagem que se descortina no topo.

    Pedi e obtereis. Batei e abrir se vos a. - Mateus 7:7

    Aja.
    Formule pensamentos de possibilidades, e interaja.

    Encoraje as suas próprias forças e reaja.

    Creia e acione em si movimentos construtivos.

    As estrelas cadentes sequer têm propriedade de atender os pedidos humanos, porém quem os formula desenvolve confiança. Em si e no Sagrado.

    Somos pueris em certas crenças, contudo a expansão da razão seleciona o tipo de rogativa a ser proferida, condizente e racionalmente.

    Já o coração se conforma à resignação diante dos desígnios divinos.

    Ponderemos ambos.

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