Pular para o conteúdo principal

SER VIRTUOSO

Foi Ubiratan Rosa quem me levou ao contato do pensamento de Krishnamurti - pensador indiano (1895-1986) educado na Inglaterra.

E não só isto, abriu caminho para entender a Hermeticidade[1] do pensador indiano muitas vezes cifrada em frases que, à primeira vista, parecem estranhas.

No contato com o pensamento de ambos, foi como se eu estivesse saindo de uma caverna platônica.[2] Libertou-me do monoideísmo empobrecedor: de repente, me vi interessado por correntes de pensamento diversas: o Budismo, o Taoísmo, o Zen, o pensamento hindu, inclusive o Ateísmo. Descobri, nessas correntes, legítimas fontes de saber e reflexão.

O sentimento de liberdade e alegria que me tomou estimulou minha curiosidade em saber como os filósofos malditos[3] pensavam o mundo e a vida.

É impressionante a capacidade de desprendimento de Krishnamurti em desistir, aos 34 anos, de ser o porta voz do senhor Maitreya[4] e conduzir a humanidade para um patamar superior.[5]

É admirável a sua coragem em enfrentar a crítica de seus seguidores e mestres da Sociedade Teosófica liderada por Annie Besant e Charles Leadbeater e de mover o entulho causado pela demolição do edifício erguido em torno de seu nome.

A força espiritual que alguém deve ter para superar anos de condicionamento psicológico – desde os cinco anos de idade - para romper com a ideia de ser um guia para a humanidade – com milhares de seguidores - tem de ser muito grande!

Somente alguém com aguda noção de si pode reagir a tal estímulo à vaidade.

++++++++++++++++

Qualquer esforço que eu faça para me tornar exemplo para os outros automaticamente brota em mim a artificialidade nos meus gestos, palavras e ações.

Alguém que seja um verdadeiro exemplo não sabe e nem pode saber que o é. De novo, a velha fórmula: não posso ter noção vaga ou aguda de minha virtude, porque no exato momento em que me descubro virtuoso, já não o sou.[6]

Para este escriba que você lê, essa é uma das chaves para entender o que é o não-eu do Taoísmo; entendendo o eu como um aglomerado de autoafirmações de superioridade a que fomos submetidos pelo condicionamento psicológico o qual costumam chamar de “educação”. (ver texto anterior onde faço referência ao Taoísmo. Link abaixo)

https://espiritismosec21.blogspot.com/2023/04/duas-visoes-uma-realidade.html

Por isso é bom não criar metas para alcançar virtudes. Virtudes vêm à existência sem que saibamos de sua presença.

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: Meta
Pode estar querendo dizer o inatingível

Gilberto Gil – Metáfora.[7]

Krishnamurti resume numa frase o que tento dizer com todo esse meu blá-blá-blá:

A maioria de nós aspira à satisfação de ocupar uma certa posição na sociedade, porque temos medo de ser ninguém.

Difícil? Quem disse que seria fácil?

Obrigado por estar aqui. Sugestões, comentários, correções serão bem-vindos.



[1] Hermeticidade: qualidade daquilo que está fechado. Aqui significa algo de difícil entendimento.

[2] Referência ao Mito da Caverna de Platão. Ver link abaixo:

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp655/pag02.htm

[3] Chamo de “filósofos malditos” aqueles que nem citados são em palestras espíritas; e quando o são citados, normalmente, suas referências são negativas. O exemplo clássico é o de Frederich Nietzsche.

Sugiro ler a obra de Michel Onfray.

[4] Senhor Maitreya é o nome dado a uma suposta entidade luminosa que viria à Terra para dar continuidade aos ensinos de Sidarta Gauthama, o Buda original..

[5] Em 1929, na Holanda, onde acampavam mais de 3 mil pessoas para ouvi-lo, Krishnamurti dissolveu a Ordem da Estrela do Oriente. Veja o discurso que proferiu à época no link abaixo:

http://legacy.jkrishnamurti.org/pt/about-krishnamurti/dissolution-speech.php

[6] Faço uma paráfrase do que disse Ubiratan Rosa sobre a humildade: Diz ele:  quando “sei” que sou humilde, com isso estou me exaltando, é um contrassenso. É como se eu dissesse que “me orgulho de ser humilde”. Não podemos ter noção, aguda ou vaga, de nossa humildade. Mas podemos viver humildemente pela compreensão do nosso orgulho.

Comentários

  1. Lembrei da passagem em Marcos 10:18 na qual Jesus disse ao jovem que o 'bajulou':
    - Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus.

    Um desapego do ego, insofismável.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

CORONAVÍRUS E A TRANSIÇÃO PLANETÁRIA

Depois da espanhola [1] e de outras piores, a humanidade saiu do mesmo jeito que sempre foi. E por que raios a saída dessa seria diferente? Vou explicar a razão. A ciência primeira hoje é o marketing. Por isso, muitas pessoas querem passar a imagem que o coração delas é lindo e que depois da epidemia, o mundo ficará lindo como elas. A utopia fala sempre do utópico e não do mundo real. É sempre uma projeção infantil da própria beleza narcísica de quem sonha com a utopia. Luiz Felipe Pondé – Folha de São Paulo – 13/04/2020 Por mais hedionda seja a figura de Joseph Goebbels [2] recentemente foi elevada ao status de máxima da sabedoria sua frase: “uma mentira contada muitas vezes acaba se tornando uma verdade”. É óbvio que se trata de uma armadilha, de um sofisma. No entanto, é plausível que se pense no poder dessa frase considerando como uma verdade baseando-se na receptividade do senso comum,   independentemente de cairmos no paradoxo de Eubulides ou de Epimênides [3] . H

O INFERNO E A QUARENTENA

Há uma peça para teatro escrita pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre intitulada “Huis Clos” mais conhecida entre nós pelo título “Entre Quatro Paredes” onde Sartre explora, entre outros, o tema da liberdade – tema tão caro ao pensamento desse filósofo. A peça é encenada em um apartamento que simboliza o Inferno onde três personagens interagem com a figura de um quarto – o criado. Não interessa aqui explorar a peça em todas as suas complexidades, mas de chamar a atenção para a fala do personagem Garcin que, ao fim da peça, exclama: “o Inferno são os outros”. Há quem diga – gente com repertório imensamente maior do que o meu -, que devemos entender que “os outros” não são o inferno, mas nós é que somos o inferno. [1] Esse tema traz muitas inquietações àqueles que pensam a vida de forma orgânica, não simplista. Meu palpite é que a frase de Garcin confirma para mim o que desconfio: que os outros são o inferno, porque o outro, a quem não posso me furtar da companh

PAUSA PARA OUVIR - Chopin 2

Frédéric François Chopin 01/03/1810 - 17/10/1849 Piano Concerto No.1, Movimento 2 - Largo, Romance

Tempus Fugit - Rubem Alves

O que me motivou a homenagear o "Seu" Ary imediatamente à sua morte, deve ter sido inspirado no texto que segue abaixo somado à gratidão guardada vivamente em minha alma. Não sei, mas posso ser punido por publicar crônica de autoria de Rubem Alves Tempus Fugit , Editora Paulus, 1990, mas valerá o risco. TEMPUS FUGIT Rubem Alves Eu tinha medo de dormir na casa do meu avô. Era um sobradão colonial enorme, longos corredores, escadarias, portas grossas e pesadas que rangiam, vidros coloridos nos caixilhos das janelas, pátios calçados com pedras antigas. De dia, tudo era luminoso, mas quando vinha a noite e as luzes se apagavam, tudo mergulhava no sono: pessoas, paredes, espaços. Menos o relógio. De dia, ele estava lá também. Só que era diferente. Manso, tocando o carrilhão a cada quarto de hora, ignorado pelas pessoas, absorvidas por suas rotinas. Acho que era porque durante o dia ele dormia. Seu pêndulo regular era seu coração que batia, seu ressonar e suas mús

A REDENÇÃO PELO SANGUE DE UM CAVALO

No último texto postado falei do “sangue de barata”. Desta vez, ofereço-lhes um texto o qual tive contato pelo meu filho Jonas no fim dos anos 90. A autoria é de Marco Frenette. Nele, Frenette fala do poder do sangue de um cavalo. Nota: o tamanho do texto foge do critério utilizado por mim neste espaço que é o de textos curtos para não cansar   a beleza de ninguém. CAVALOS E HOMENS Marco Frenette Revista Caros Amigos, setembro 1999. Essa short cut cabocla está há tempos cristalizada na memória coletiva de minha família, e me foi contada pela minha avó materna. Corria o ano de 1929 quando ela se casou, no interior de São Paulo, com o homem que viria a ser meu avô. Casou-se contra a vontade dos pais, que queriam para a filha alguém com posses compatíveis as da família, e não um homem calado, pobre e solitário, que vivia num casebre ladeado por uns míseros metros quadrados de terra. Minha avó, porém, que era quase uma criança a época, fez valer a força de sua personal

A QUEIMA DO "EU"

Estimado Humberto, o feliz destaque "[...] o sofrimento, atributo indissociável deste mundo, é o processo natural da desidentificação do pensamento como “Eu”". Seria o sofrimento o método que desperta o cuidado com o outro e a compreensão dos limites do "eu"? Será que esta acepção resulta em comportamentos de alguns espíritas no sentido de prestigiar o sofrimento. De outro modo, quando alguém sofre e aceita aquele sofrimento e não luta para superá-lo, isto significaria a "[...] desidentificação do pensamento como “Eu”"? Não seria importante refletir sobre a importância da "[...] desidentificação do "eu"" atrelada à compreensão da "vontade de potência" (Der Wille zur Macht - referência a Nietzsche) como ferramenta da autossuperação e da dissolução da fantasia criada do "eu" controlador? Samuel Prezado irmão Samuel, obrigado pela sua companhia. É uma honra tê-lo aqui. Sem dúvida há uma relação entre Nietzsche e

PAUSA PARA OUVIR - Rameau

Jean-Philippe Rameau 25/09/1683-12/09/1764 https://www.youtube.com/watch?v=fbd5OAAN64Y

BUSCA

Somos humanos, demasiadamente humanos [1] e nossa humanidade baseia-se na linguagem. Isso é evidente. Qualquer tipo de busca, por exemplo a “humildade”, está fadado à frustração. A busca pressupõe algo vindo da razão e esta tenta criar conceitos em tudo o que busca. A razão utiliza o artifício da comparação e os afetos não funcionam assim. Toda vez que me comparo com alguém, na verdade estou comparando algo que conheço pouco – eu mesmo, com algo que não conheço nada – o outro. Mas o conceito vem carregado de cultura, e a cultura é produto da linguagem, e a palavra é o tijolo da construção conceitual, nunca a coisa em si. Enquanto a razão busca a palavra “humildade” que é intenção, a vivência é o gesto. E sabemos, segundo Rui Guerra: há distância entre ambos. [2] . Enquanto a vida é vertiginosamente dinâmica – tudo que é agora, não será o mesmo no segundo seguinte, a palavra é a tentativa de manter-se aquilo que escapa por entre os dedos; é a esperança angustiada de eternizar-s