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ESPÍRITAS E ESTATÍSTICAS

Nota necessária: Confesso, sem pudor algum e por respeito a quem me lê, que este texto foi composto a 4 mãos. Obviamente, as minhas duas mãos e as duas "mãos" virtuais da Inteligência Artificial e, por extensão, as incontáveis mãos dos programadores por trás da máquina.

Para que o leitor não me desqualifique desde já, adianto que o texto original foi inteiramente concebido por mim e, a meu pedido, a IA o reescreveu de maneira muito mais enxuta, menos chata e com admirável objetividade sem prejuízo do âmago do conteúdo que escrevi.

Digamos que a letra está por conta da IA; o espírito, por minha conta.

Posto isto, vamos ao texto...

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Espíritas e a Crise de Adesão

A matéria do Jornal GGN [https://jornalggn.com.br/cidadania/espiritas-em-queda-livre-por-marcelo-henrique-e-marcus-braga/], que fala em “queda livre” no número de espíritas no Brasil, pode parecer alarmista à primeira vista. No entanto, serve como provocação oportuna para quem deseja pensar o espiritismo de forma crítica e sistêmica. O declínio na adesão não pode ser explicado apenas pela migração de fiéis para religiões de matriz africana – embora isso também conte. Há um pano de fundo mais amplo e complexo.

Vivemos uma era de aceleração. A comunicação hoje é instantânea, fragmentada, fluida – características que contrastam frontalmente com a linguagem densa, reflexiva e analógica que ainda predomina nas casas espíritas. Enquanto redes como TikTok e X (antigo Twitter) reformulam o modo como as pessoas acessam e compartilham ideias, o espiritismo insiste em longas exposições e textos pesados. Resultado: desconexão.

Além disso, o movimento espírita brasileiro tem um histórico conservador, que se acentuou com a ascensão de discursos de extrema-direita no país. Isso criou tensões internas. De um lado, lideranças que se alinham com valores reacionários; de outro, espíritas progressistas que tentam reconfigurar o movimento para um tempo mais inclusivo. Nesse embate, muitas pessoas se afastam – frustradas com a frieza, o julgamento e o moralismo que encontram em ambientes onde esperavam consolo.

Outro ponto crucial: o espiritismo exige estudo, dedicação e aprofundamento contínuo. Não é uma proposta de massa, não por elitismo, mas porque requer tempo e preparo intelectual. Em um país onde milhões vivem exaustos, entre ônibus lotados e jornadas precárias, como esperar que leiam obras de 800 páginas após um dia inteiro de trabalho? A desigualdade social também atravessa a espiritualidade.

É nesse contexto que religiões como a Umbanda ganham espaço. Oferecem acolhimento direto, empatia, rituais acessíveis e ausência de julgamento moral. Muitas pessoas, sem acesso à terapia ou apoio institucional, encontram nas giras, nos banhos e nas falas dos pretos-velhos e caboclos uma escuta real e uma resposta simbólica às suas dores. A Umbanda, para muitos, é um abraço – onde o espiritismo tornou-se protocolo.

A crise do espiritismo também se manifesta na produção intelectual. A infantilização crescente de obras e discursos, o excesso de suposições fantasiosas e a figura de um Jesus “geopoliticamente ingênuo” afastam leitores mais críticos. Muitos, diante disso, optam por uma espiritualidade agnóstica ou reflexiva, sem vínculos institucionais.

A postura dogmática de certos “guardadores da ortodoxia” só agrava esse afastamento. Incapazes de lidar com o novo, expulsam os chamados “novidadeiros”, agindo como fariseus modernos. Paradoxalmente, ignoram o espírito investigativo e antidogmático de Kardec – o fundador que, ironicamente, seria hoje expulso de muitos centros por pensar demais.

Talvez esses sejam alguns dos motivos por trás da redução de espíritas no país. Nada garante que esse movimento vá desaparecer – mas ele precisa repensar-se, urgentemente. Escutar mais. Julgar menos. Abraçar a diversidade e sair da bolha de superioridade intelectual. Abandonar o discurso de “iluminados” que se orgulham de decorar livros, mas esquecem de sentir a dor do outro.

Nada de novo no front. Só o eterno chamado à lucidez.
Haja amor fati[1].

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] "Amor fati" é uma expressão latina que significa "amor ao destino" ou "amor ao que é". É um conceito que se refere à aceitação e amor incondicional de tudo o que acontece em nossa vida, incluindo coisas boas e ruins. É a capacidade de ver a beleza e o valor em todas as experiências.

Comentários

  1. Triste saber que, o que poderia ser uma filosofia espiritualista belíssima, se deturpou tanto, colhendo agora os frutos amargos....lembro de um estudo que vc disse que: "se o Espiritismo continuar assim, em 50 anos ele desaparece..."

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