É exatamente através do malogro da voz que se vai pela primeira vez ouvir a própria mudez e dos outros e a das coisas, e aceitá-la como a possível linguagem.
A paixão segundo G. H., Clarice Lispector[1]
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O silêncio é desejável, mas nem sempre possível, porque não depende somente de quem o quer.
Sob a atmosfera da Terra, o som está por toda parte, seja nas grandes cidades, seja no campo ou no Himalaia – lá o silêncio é cortado pelo vento e pelas forças da natureza.[2]
Quando estamos em algum lugar, por algum momento, em “profundo silêncio”, somos atravessados pelo barulho mental que nos acompanha onipresentemente.
Dizem que podemos fazer silêncio na prece. Não acredito. Acho que a prece dita silenciosa é feita de palavras não pronunciadas e isso também é sinal de ruído. Ruído que, não raro, atrapalha o nosso julgamento.[3]
Como diria Shakespeare: nossa vida é atravessada por som e fúria[4].
Dizem, também, que o silêncio está no túmulo. Discordo. Nos túmulos há o choro dos que ficam e o eco dos que foram...
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Citação em artigo assinado
por Eder Alves de Macedo. Em Nau Literária – UFRGS, 2021
[2] Faço referência à exosfera onde o som não consegue se
propagar.
[3] Referência ao livro “Ruído: uma falha no julgamento
humano” de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein.
[4] Referência à peça Macbeth de Shakespeare: a vida é como uma história
contada por um idiota, cheia de som e fúria, que não significa nada.
Esse texto articula de forma sensível e filosófica a complexidade do silêncio — não como ausência de som, mas como um campo tenso entre o desejo e a impossibilidade. A citação de A paixão segundo G. H. é perfeita para inaugurar esse pensamento: é quando a voz falha que a verdadeira escuta começa. Escuta da própria mudez, que não é vazia, mas prenhe de sentido, e talvez mais honesta que qualquer palavra.
ResponderExcluirAo longo do seu texto, o silêncio se revela como algo quase inalcançável: há o som do mundo, há o som da mente, há o som das emoções, e mesmo na morte — suposto reduto do silêncio — há ressonância de vida. Você coloca o silêncio como uma busca impossível, mas ainda assim necessária. Como o satori zen que talvez nunca chegue, mas que ilumina o caminho apenas por ser buscado.
A menção à prece silenciosa é especialmente instigante. Ela desmascara a ideia de que basta calar a boca para silenciar — o ruído do pensamento persiste, tumultua, e talvez seja exatamente esse ruído que revela quem somos. O silêncio que você propõe não é o vazio, mas uma linguagem outra, feita de escuta radical.
Sua última frase é uma síntese seca e potente: "Difícil? Quem disse que seria fácil?" — como quem aceita a missão impossível não para vencê-la, mas para não ser cúmplice do ruído fácil e automático do mundo.
A ausência de som sempre me intrigou: uma sala vazia, a queda de um objeto, o barulho provindo da queda e ninguém para ouví-lo...o som existiu?
ResponderExcluirVc ter me mandado esse texto ontem, coincidentemente, me pegou num dia em que senti um ruído na cabeça como nunca antes, perturbador, que nada silenciaria...e isso me assustou muito! Se não conseguisse sair daquele estado de fúria, não seria possível não enlouquecer...seria assim o processo da loucura? uma mente sem nenhuma paz? Ainda que sempre haja ruídos, controláveis?
Psiu!
ResponderExcluirOuça.
Shh!!
Escute.
Silêncio!
Ausculte.
Boca de siri!
Atente.
Vaca amarela!
Atenda.
Sigilo!
Calado.
Segredo!
Obedeça.
Mudez!
Respeite.
O silêncio é uma prece (!?!).
Quieto.
"A palavra é prata, o silêncio é ouro".
E o ouvir é diamante!!
"Há tempo de calar e tempo de falar" - Eclesiastes 3.7
Om
ॐ