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O MESTRE E AS CRIANÇAS

Campo de Refugiados no Zaire por Sebastião Salgado 

Os textos do Novo Testamento revelam Jesus como um mestre muito sábio que combatia injustiças, denunciava as relações pouco sinceras entre nós, cuidava dos estropiados do caminho, dizia que os verdadeiros líderes deveriam servir antes de serem servidos e, não deixou de advertir os adultos com relação ao tratamento dado às crianças.

O contexto é o seguinte: Jesus partiu para Judeia e iniciou o atendimento de uma multidão:  conversas difíceis com os fariseus; curas; ensinamentos ocorreram naquela ocasião. Algumas pessoas trouxeram crianças para serem abençoadas pelo Mestre, mas os discípulos as impediam. Pensavam que, depois de tantos atendimentos, Ele não estivesse disposto a atender crianças e, por isso, não permitiam que se aproximassem Dele.

É bom ressaltar que as crianças não eram protegidas e com direitos específicos até o início da Idade Moderna. Jean-Jacques Rousseau foi um dos que pensou numa mudança significativa no tratamento dos pequenos.

Essa visão histórica põe em evidência a maneira como O mestre tratou as crianças quase dois mil anos antes. Vamos ao registro de Mateus:

Depois trouxeram crianças a Jesus, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Mas os discípulos os repreendiam.

Então disse Jesus: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas".

Depois de lhes impor as mãos, partiu dali.

Mateus,19: 13-15

O termo “infância” significa “incapacidade de falar”. O Mestre sabia que o nosso mundo é sisudo e hostil e chamou a atenção dos adultos para que as protegessem e as representassem em sua defesa e não as tratassem como objetos. E mais, disse que o Reino dos Céus pertencia àqueles que as assemelhassem, ou seja, Jesus queria que as crianças fossem respeitadas muito além do campo material.

Infelizmente, ainda hoje, diariamente, vemos cenas chocantes de maus-tratos que vão do ambiente doméstico até regiões em conflito.

Experiências traumáticas provocam danos neuropsicológicos de difícil tratamento e de consequências desastrosas, marcando um futuro sombrio para muitas dessas crianças maltratadas e, por extensão, o futuro da humanidade.

Talvez, não sei, inspirado por esse quadro, Guilherme Arantes escreveu uma linda canção intitulada “Brincar de Viver”.

Vale a pena ouvi-la:

https://www.youtube.com/watch?v=qbIiEKvsMJY

Quem me chamou
Quem vai querer voltar pro ninho
E redescobrir seu lugar
Pra retornar
E enfrentar o dia-a-dia
Reaprender a sonhar

Você verá que é mesmo assim
Que a história não tem fim
Continua sempre que você
Responde sim à sua imaginação
A arte de sorrir
Cada vez que o mundo diz não

Você verá
Que a emoção começa agora
Agora é brincar de viver
E não esquecer
Ninguém é o centro do universo
Assim é maior o prazer

Você verá que é mesmo assim
Que a história não tem fim
Continua sempre que você
Responde sim à sua imaginação
A arte de sorrir
Cada vez que o mundo diz não

E eu desejo amar todos
Que eu cruzar pelo meu caminho
Como sou feliz, eu quero ver feliz
Quem andar comigo, vem

Você verá que é mesmo assim
Que a história não tem fim
Continua sempre que você
Responde sim à sua imaginação
A arte de sorrir
Cada vez que o mundo diz não

Difícil? Quem disse que seria fácil?

Comentários

  1. Eu entendo que a figura de linguagem utilizada pelo Cristo nessa passagem não quer se referir, especificamente, à tenra idade ou a pequenez em si.

    A percepção que tenho é que Ele quis se referir à "inocência" de TODOS nós quando ainda estamos passando por esta idade, mas que com o tempo, vamos substituindo por outros valores.

    Em consulta simples no Google, veja uma tradução livre para a expressão "inocência":

    1.
    qualidade de quem é incapaz de praticar o mal; estado daquele que não é culpado de uma determinada falta ou crime.

    Quero crer que foi neste sentido que ele deu tanta ênfase a essa passagem já que, nada do que Ele fazia ou dizia era inútil, aliás, TUDO tinha um propósito maior e neste caso em especial foi, exortar a TODOS para que se assemelhassem às crianças.

    Quanto ao mais... sem retoques.
    Marco Spina

    ResponderExcluir
  2. O pedagogo e os aprendizes
    O exemplo e as testemunhas
    O professor e os pupilos
    O guia e os seguidores
    A lição e os observadores
    O irmão Maior e os novatos
    O Pão da Vida e os famintos
    O Salvador e os perdidos
    O Consolador e os pequeninos
    O redentor e os iniciantes

    Cada ser relaciona-se com o Cristo segundo a identificação que faz de seus títulos.

    Ele não exigiu adeptos, louvadores, discípulos, ungidos, defensores.

    Respeitou, curou, mostrou, ensinou, tratou, esclareceu, amou e perdoou.

    Em Mateus 25:40 assegurou:

    "Em verdade vos digo que, quando o fizestes [ajudastes] a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.

    Mais adiante, em 25:45-46 garantiu:

    "Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna."

    Leva tempo o despertar consciencial.

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