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O NAVIO DE TESEU

Conta-se que Teseu, herói da mitologia grega, fundador de Atenas, após retornar da missão a qual foi designado – matar um monstro que possuía corpo humano e cabeça e calda de touro, deixou a embarcação que utilizara aportada em Delos – pequena ilha no sul do Mar Egeu.

Para cultuar sua memória, o citado navio foi conservado e a madeira que o compunha, à medida que ia apodrecendo pela ação do tempo, era substituída por novo material, de tal modo que, depois de muito tempo, todas as madeiras do barco haviam sido trocadas.

Então, criou-se uma discussão em torno do assunto: após todo o material que constituía o navio ter sido trocado, seria, ainda, o barco de Teseu, ou não? Uns diziam que sim, outros diziam que não.

Desde Plutarco (46 d.C. a 120 d.C.), a questão já mexeu com a cabeça de muita gente ilustre. Tecnicamente, trata-se de um experimento mental e que se refere à perda ou não de identidade.[1]

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O barco de Teseu e a primeira leitura que fiz de O Livro dos Espíritos

No tempo em que li, pela primeira vez, o Livro dos Espíritos, por absoluta falta de ferramentas apropriadas, cavei o solo do texto de Kardec com as unhas. O que descobri me alegrou e me satisfez por completo, uma vez que a escavação fora bastante superficial.

Com o passar dos anos, descobri algumas ferramentas que possibilitaram aprofundar naquele terreno, onde pude misturar outros elementos ao solo kardeciano já transferido para minha cabeça durante a primeira leitura feita.

(É bom entender que o leitor apropria-se do texto lido a ponto de tornar-se parte dele – o leitor).

Hoje, passados tantos anos, já não sei mais quantas ferramentas descobri e quantas vezes revisitei o texto de Kardec, escavando-o mais fundo, ora acrescentando, ora retirando dados daquele “solo original” a ponto de me perguntar, a exemplo do barco de Teseu: se há algo do “barco” kardeciano no “barco” que carrego em mim?

Talvez, observando a minha atual condição, Kardec diria: “O que sobrou foi o espírito contido naquele texto original. Cabe somente a você saber se o livro que leu quando adolescente ainda é o mesmo que carrega na mente”.[2]

Dá vertigem, não dá? Mas é assim mesmo que deve funcionar, caso contrário, a doutrina espírita se transformará num punhado de mesmices repetidas por séculos por autoridades tão confusas como qualquer um que por este mundo rasteja.

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] Plutarco, Vidas Paralelas - Teseu e Rômulo, A Vida de Teseu, 23.1

[2] Assim como Kardec, José Herculano Pires vai dizer que a Doutrina Espírita tem de ser, necessariamente, dialética. Isto significa que sua força está no acolhimento de teses, antíteses e sínteses. Desta maneira, o espírita deve manter-se confiante no diálogo e na recepção de novas abordagens, desde que não fira o seu princípio fundador – a existência do espírito independente do corpo físico e que evolui conforme as experiências vividas.

Comentários

  1. I

    Instigante análise quanto à 'embarcação' de conhecimento que cada ser carrega consigo, fundamentalmente em relação aos "remos" utilizados nos mares navegantes da existência.

    Os estilos e as técnicas de remo se aperfeiçoam assim como o material do que é feito.

    Os entendimentos e as interpretações de pensamento se atualizam tal qual o raciocínio formado.

    II

    Da mesma forma que a lagosta muda de casca, necessária ao seu próprio crescimento, sem deixar de ser em si, nós periodicamente nos desvincilhamos do que não nos serve mais, e expandimos a nossa nova versão, melhor e mais firmes.

    III

    Naus e crustáceos modificam-se, objetos inanimadoa e seres vivos transformam-se.

    Calendários físicos e aniversariantes se alteram no tempo e no espaço.

    IV

    Olhemos para trás, da popa, a fim de descortinar o quanto singramos nas ondas desde a saída do porto seguro.

    Miremos a frente, da proa, com o intuito de desbravar o horizonte da vida infinito.

    V

    Seja no navio do Teseu ou no 'barco-corpo', em si, soltemos a âncora e conduzamo-nos seguros no leme do conhecimento velejando nas águas marítimas do diálogo.

    VI

    Ô marinheiro, marinheiro
    Quem te ensinou a nadar
    Foi o tombo do navio
    Ou foi o balanço do mar?

    Ô espírita, espírita
    Quem te ensinou a estudar
    Foi o baque do desconhecimento
    Ou foi a oscilação do duvidar?

    VII


    Terra à vista!!
    2025 diante dos olhos!!
    Até breve, com a bússola apontando 120 graus (comentários) ao Norte!

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  2. Onde vais buscar tanta erudição? Para mim, cada texto seu é mais que um aprendizado. Abraço, irmão Humberto.

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