Para que tenhamos grande capacidade de percepção da realidade, temos de ouvir o badalar do sino como também o silêncio entre um badalar e outro.[1]
Jiddu Krishnamurti
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Os modelos de calçados utilizados nos anos 40, 50 e 60 costumavam agredir os pés de mulheres que os utilizavam com frequência em festas, bailes e cerimônias formais. O ferimento mais comum localizava-se próximo ao calcanhar.
É daí que surgiu uma solução caseira com a qual se alcançava um pouco de alívio, mas não resolvia completamente o problema: o uso do Band-Aid nos calcanhares. Por isso, o gênio de Aldir Blanc e João Bosco ter feito referência a essa solução na canção “Dois pra lá, dois pra cá” próprio do ritmo do bolero:
(caso queira ouvir a canção, segue link abaixo)
https://www.youtube.com/watch?v=Hgh0_acaBcw
Apesar
de o curativo para pequenas feridas de pele ainda ser utilizado, o seu uso para
aquele fim podológico quase desapareceu. Contudo, há outras coisas que nos
incomodam muito. Uma delas, o maldito ruído sagrado da passagem de ano
provocado pelos rojões.
Sim, “sagrado”, porque sacralizamos este momento de fim de ano com rezas, festas, promessas e outros penduricalhos simbólicos que nos atravessam a alma, inclusive com rojões.
Mas há outros incômodos maiores do que a ponta torturante de um band-aid no calcanhar.
Após expulso do Éden, o serzinho humano inventou mil maneiras de azucrinar o próximo – e aqui, não estou falando somente de outros seres humanos, falo em nome de toda a criação, especialmente aquela que convive conosco: gatos, cães, furões, coelhos, ratinhos de estimação, etc.
Talvez, não sei, o barulho que se produz pelos pancadões da vida, festas ruidosas que provocam a pobre vizinhança e que avançam madrugada adentro, escapamentos que parecem ter saído da caixa de Pandora para nos atormentar, vêm da fuga de uma realidade que não pede licença para nos acordar do torpor de insistente e irritante cotidiano. É uma lista sem fim.
E a cereja do bolo (e que cereja!) chega com o final do calendário anual, onde é obrigatória a famigerada “festa da virada” com seu ruído que inferniza gatos e cachorros, além de humanos que com esses bichos convivem: durante muitos anos sofri vendo os meus cãezinhos (que Deus os tenha!) em alucinada corrida para debaixo de móveis, tremendo e babando com o estresse causado pelos rojões que pareciam não ter fim...
Lembro-me de um livro que li, há muitos anos, intitulado “A Vida Secreta das Plantas” onde os autores falam de experiências feitas num ambiente com plantas trepadeiras que eram colocadas em dois ambientes de igual tamanho, ventilação etc., porém cada uma das salas possuía caixas de som onde, em uma delas se reproduzia ruídos irritantes; e na outra sala, caixas reproduzindo sons relaxantes. Contam os autores que, depois de algum tempo, as plantas que estavam no ambiente ruidoso procuravam se afastar das caixas de som, enquanto na outra sala, as plantas buscavam envolver as caixas.
Para
os critérios científicos, essas informações assim postas carecem de
confirmação, mas caso se confirmem, mostram que até as plantas possuem uma
sensibilidade aguçada pela qualidade do som produzido.
O
livro traz outros exemplos em fazendas experimentais com plantações de milho e
com vacas-leiteiras.
Concordo que peças como O Bolero de Ravel ou Cavalgada das Valquírias de Wagner possuem grande número de decibéis, mas não são ruídos e sim sons compostos por regras harmônicas.
Fato é que o Universo com sua grandeza é composto quase que inteiramente pelo silêncio (o som não se propaga no vácuo), mas nós, como sempre, queremos bagunçar o lugar que ocupamos, com nossa peculiar forma de viver.
O ruído provocado pelos rojões prova o tamanho de nossa capacidade de destruição: não bastam os mísseis caindo sobre nossas pobres e atormentadas cabeças, tem de ter o gran finale com uma dose extra de imbecilidade, na festa da virada.
Que Deus tenha piedade de nós e dos bichos que habitam esse lugar.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Krishnamurti usava metáforas como essa para ilustrar o quanto é crucial
perceber não apenas os eventos evidentes (os badalares), mas também o espaço
entre eles (o silêncio). Esse silêncio não é um vazio comum, mas um estado de
quietude que sustenta a percepção plena. Para ele, o verdadeiro aprendizado e
autoconhecimento surgem dessa capacidade de observar sem julgamento, permitindo
que a mente esteja totalmente presente no "som" e no "não
som".
Boa noite meu irmão,o silêncio é uma sinfonia que se ouvir com a alma e não com os ouvidos,todos os seres tem almas mas poucos tem ouvidos na alma
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ResponderExcluirA divulgação pelas redes sociais sobre o malefício desses rojões aos idosos, bebês e, principalmente, aos animais tem ajudado à conscientização daqueles que não convivem com nenhum desses grupos mais sensíveis.
Timidamente têm surgido na virada dos céus brasileiros a substituição de fogos de artifício por drones.
Este aqui foi bem legal:
https://www.instagram.com/reel/DES-9XBJTz6/?igsh=MTJuOWxvaGtnN2RsZg==
Em que pese concordar plenamente, fico aqui imaginando sobre o barulho "infernal" das bombas em Gaza e na Ucrânia/Russia, com a agravante mortandade de inodentes (idosos e crianças).
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