Fui a uma farmácia comprar um medicamento específico.
Ao chegar no caixa, vi uma propaganda dessas panaceias* para quem está com problemas no aparelho digestivo.
*panaceia: planta, beberagem, simpatia, ou qualquer coisa que se acredite possa remediar vários ou todos os males.
Lá dizia:
O fígado atacou? Tome (a tal panaceia) que resolve!
Pensei: o sujeito vai a um bar, toma meio litro de cachaça acompanhado de meio quilo de torresmo, passa mal e diz: o meu fígado atacou. Como se o infeliz do fígado tivesse alguma coisa a ver com sua extravagância.
A meu ver – me desculpem os amantes de torresmo com cachaça – a frase deveria ser na voz passiva: o fígado foi atacado? Então tome a tal panaceia.
Nesse caso específico, ao mudar de voz ativa para a voz passiva, transfere-se para o verdadeiro agente da desgraça orgânica a responsabilidade pelo fígado reagir à comilança.
Lembro-me, há muitos anos, de ter participado de uma disputa de vaga para um carguinho numa empresa de transportes. O RH da empresa preparara um teste psicológico onde os aspirantes à vaga tinham de completar frases. Uma delas dizia:
Perco a cabeça quando...
(suponho que o autor do teste queria descobrir alguma fraqueza emocional nos candidatos – o que evitaria a contratação de um assassino em série para o quadro de funcionários daquela empresa).
Completei a frase com: perco a cabeça ao ser guilhotinado.
Não preciso nem dizer que fui reprovado no teste.
O cuidado com a linguagem pode evitar aborrecimentos. Talvez, seja por isso que o Mestre dizia aos seus discípulos: seja vossa palavra sim, sim; não, não. (Mateus,5:37)
Quantos de nós não colocamos desavenças orgânicas, familiares, financeiras etc. na conta de terceiros, usando a voz passiva para fugir da responsabilidade e inverter a lógica, passando de agressor para agredido?
Coitado do fígado que acaba pagando o pato.
Difícil?
Quem disse que seria fácil?
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