Quanto ao dia e à hora,
ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai.
Jesus. Mateus, 24:36
Quando se é capaz de suspeitar de si mesmo, essa conduta intelectual aproxima o pensador de um patamar mais profundo da existência e o põe a caminho da humildade. Também o vacina contra as certezas na apreensão, pelos sentidos, da realidade que o cerca.
Num pequeno livro, porém grande em conteúdo, Scarlett Marton dedica-se à defesa de Nietzsche, chamando-o de “filósofo da suspeita”.[1]
Creio
que Nietzsche não errou em boa parte de suas críticas. Ouso dizer que ele errou
na dose, porque há remédios que podem curar doenças, mas dependendo da dose,
podem matar o doente.
Por isso, este grande pensador alemão é tratado como “o filósofo do martelo”.
O exercício da suspeita é muito saudável quando combinado com a noção de humildade; mas é um veneno quando acompanhado pelo orgulho. Esse “caminho do meio” me parece a chave para não cairmos em armadilhas retóricas sedutoras, e livrar-nos do autoengano.[2]
Parece que o Mestre, no registro de Mateus, seguiu os passos de Sócrates: tudo o que sei é que nada sei.
Repito
aos desavisados: não é que Sócrates era uma tábula rasa[3],
mas ele se punha na condição de alguém que nada sabia a ponto de suspeitar que
os seus sentidos e conceitos poderiam estar errados e, com isso, abria-se para
novas experiências e conhecimentos.[4]
Abro parêntesis para lembrar do paradoxo do queijo suíço:
O queijo suíço tem buracos.
Assim, quanto mais queijo,
mais buracos.
Porém quanto mais buracos,
menos queijo.
Logo, quanto mais queijo, menos queijo!
Em outras palavras, quanto mais sabemos, mais percebemos a vastidão do desconhecido. Essa consciência nos impulsiona a buscar mais conhecimento. Essa era a postura de Sócrates.
Aristóteles, discípulo de Platão - que fora discípulo de Sócrates, entendeu bem esse exercício: gosto de Platão, mas prefiro a Verdade.[5]
Aquele que não exercita a suspeita a partir de si; que cultiva certezas e segue, cegamente, gurus e guias espirituais, deixa de ruminar sobre ideias e conceitos, provoca a morte da reflexão e se distancia de um dos propósitos fundamentais da Filosofia – a busca da verdade. Verdade que é infindável e que é de todos e de ninguém.
Há uma frase atribuída a Aristóteles, mas que carece de confirmação, que resume nossa conversa de hoje:
O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Nietzsche, Filósofo da Suspeita.
Scarlett Marton. A edição que tenho é de 2010 da Editora Casa da Palavra. Há
uma edição mais recente da Editora Autêntica.
[2] Caminho do meio é um conceito
budista muito interessante. Implica numa postura que evita os extremos.
[3] Tábula rasa
é um termo utilizado pelo filósofo inglês John Locke referindo-se à condição
daquele que, a princípio, não tem conhecimento algum.
[4] Já falei sobre este assunto aqui no Blog onde cito o conceito de vazio
no Taoismo.
[5] Citado por Luc Ferry em A Mais Bela História da Filosofia, em
seu capítulo 6, Ferry menciona Aristóteles como “aluno dissidente” de Platão e,
me parece, licença poética de Ferry à frase supostamente dita por Aristóteles.
Neste capítulo da obra citada, Ferry expõe, resumidamente, as discordâncias de
Aristóteles ao pensamento de Platão.
Penso que Luc Ferry – esse importante pensador francês da atualidade - quis resumir numa frase aquilo que Aristóteles não aceitava do pensamento de seu mestre Platão. (ver Ética a Nicômaco, por exemplo).
Furos e queijos
ResponderExcluirOs furos (domínios) são normais em alguns tipos de queijos (conhecimentos), mas podem ser sinais de contaminação (presunção) em queijos frescos.
O queijo (conhecimento) é um alimento (estudo) saudável, fonte de proteína e cálcio (inteligência e raciocínio).
Em outras palavras, o conhecimento (queijo) é produzido a partir do saber (leite) de aprendizes, estudantes, profissionais, enfim pessoas (cabras, vacas, ovelhas, enfim mamíferos).
Logo, o conhecimento (queijo) é produzido pela experimentação (coagulação) do saber (leite).
Há quem se alimenta frequentemente do queijo (conhecimento) como há o inverso, quem nem o deguste.
Nem excesso nem escassez. O exercício aristotélico é o justo meio, por você mencionado.
Um salve à queijaria (consciência) filosófica!!