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AMAR E SOFRER

Luto por Fritz von Uhde (1895)

Este texto é dedicado a todos os meus amigos/amigas que perderam filhos, prematuramente.

Aviso 1: não me considero um moralista, mas alguém com presunção de escritor que compartilha suas reflexões sobre a vida, escrevendo-as. Reflexões passíveis de correção e, quem sabe, de esquecimento.

Sempre tomando o cuidado de fazer críticas olhando para mim mesmo. Aprendi a não esquecer que existe uma trave no meu olho quando faço críticas a alguém que, possivelmente, possui apenas um cisco no seu.

Outro ponto que quero destacar é a minha precária formação; por esta razão julgo os meus escritos como pouco originais, merecendo a mesma crítica feita por Diógenes Laércio a Crísipo[1]: se retirassem todas as citações dos meus escritos sobrariam apenas páginas em branco.[2]

Aviso 2: alguém acostumado com o meu pensamento poderá entender que estou me contradizendo. Não, não estou. Estou apenas utilizando de uma licença poética para falar do Amor.[3]

Aviso 3: Este é o primeiro passo na construção do abecedário a que fiz referência na publicação anterior.

Nossa primeira aventura será o tema Amor em uma de suas faces – a paz.

Obrigado por estar aqui. Seus comentários e críticas serão bem-vindos.

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Glossário:

Cosmos: é uma palavra da língua grega e significa “ordem”, “harmonia”. Pode significar Universo.

Caos: palavra grega que significa desordem; confusão.

Cosmonauta: astronauta. Aquele que explora o Universo ou o Cosmos.

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Não há cosmonautas...

Porque não há cosmos...

Jacques Lacan

(Citado por Vladimir Safatle em Maneiras de transformar mundos: Lacan, política e emancipação)

Podemos dizer que a intenção de que o homem seja “feliz” não se acha no plano da “Criação”. Aquilo a que chamamos “felicidade”, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico.

Sigmund Freud, Mal-Estar na Civilização. (destaques meus) 

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O CAOS QUE HABITA O MUNDO

Lacan faz menção aos cosmonautas que seriam pessoas que exploram o Universo, ao mesmo tempo, faz um jogo de palavras onde indica sua descrença na existência de um equilíbrio perfeito – o Cosmos. Essa desordem opera tanto fora de nós quanto dentro.

Infere-se que, como não há Cosmos, qualquer tentativa em encontrar aquele equilíbrio perfeito será inútil. Portanto, o termo cosmonauta perde o seu sentido.  Para os antigos gregos, sempre havia a ameaça provocada por eventos destruidores da ordem. O conjunto desses elementos devastadores era chamado de Caos.

Nosso mundo apresenta quadros muito próximos do antigo Caos grego: epidemias e pandemias, catástrofes, guerras, pobreza extrema, perseguições, multidões famintas e desesperadas arrastam-se pela Terra, de um lado para o outro com a frágil esperança de encontrar alimento, abrigo, dignidade. Temos, também, preconceitos terríveis que devastam a alma de grande número de irmãos, indivíduos que vivem à margem da sociedade. Tudo isso compõe o ambiente caótico onde todos nós estamos submetidos, quando aqui encarnados, com soluções bem desenhadas em planilhas, mas sem resultados efetivos no horizonte mais próximo.

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Luiz Felipe Pondé encerra o seu ensaio (IN)FELICIDADE PARA CORAJOSOS – Exercícios Filosóficos, Editora Planeta com o seguinte argumento:

A felicidade habita o terreno das virtudes, por isso, como dissemos antes, é dependente da misericórdia. Mas ela também depende da humildade. Neste passo, ao contrário do que juram os especialistas em planejamento da vida para a prosperidade, o essencial é desistir de si mesmo como centro do universo, ou supor que o Logos seja você, e com isso ser capaz de ascender a um caminho tortuoso, mas possível, de saber que não somos o protagonista do roteiro do mundo, mas que, justamente, desistir de ser esse protagonista é que nos devolve a chance de descobrirmos a justa medida de nosso personagem num drama que nos ultrapassa e que encontra, nesse movimento, sua beleza maior, da qual fazemos parte. Essa beleza é que nos salva, em alguma medida, da infelicidade. Uma beleza que exige coragem aos olhos, à razão e ao coração. (destaque meu)

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QUANDO A MORTE NOS ATINGE INDIRETAMENTE

Se não bastasse as mazelas apontadas acima, a morte de alguém como pais, irmãos, amigos muito queridos e, particularmente, filhos que se vão prematuramente, parece-me a maior perda que alguém pode sentir ao longo da existência. Todas as palavras e cores dirigidas a alguém que carrega essa perda, soam como meias-palavras e meias-tintas. Por isso, acredito que, diante de pessoa profundamente machucada pela perda de um filho, o que vale é o silêncio respeitoso e a sinalização de que se está disponível para ouvi-la sempre. Essa postura terá um efeito muito mais positivo do que tentativas verbais de consolo, mesmo aquelas vindas de pessoas bem-intencionadas e solidárias, onde se apresentam modos de crer na vida depois da morte, tão comuns nesses momentos, mas com poucos resultados práticos e duradouros.

Chico Buarque de Holanda consegue captar os sinais daquela perda na alma humana, ao escrever:

Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu (destaque meu)

Pedaço de mim/Chico Buarque de Holanda

https://www.youtube.com/watch?v=3sZk7R8d25E

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A BUSCA INCESSANTE PELA FELICIDADE

Um dos temas que permeou a Filosofia desde os gregos antigos foi a busca pelo bem-estar e o equilíbrio, ou seja, a busca pela felicidade ou boa vida.

Nos mitos gregos há uma luta constante entre deuses do Caos e do Cosmos - uma luta sem fim. Zeus sempre tinha de intervir para manter a ordem, senão seria destituído de sua posição de rei dos deuses, no Olimpo – uma espécie de céu grego.

Em Sócrates – considerado o pai da Filosofia – o amor ao saber, expressão que define a Filosofia, deve ser voltado para a busca dessa felicidade pela via da razão.

Nietzsche, vai discordar de Sócrates e Platão, ao voltar-se para o pensamento mais antigo da Grécia que entendia a Natureza como a coexistência desses dois aspectos fundamentais da realidade: o Cosmos e o Caos, os quais na chave mitológica eram representados pela harmonia e a beleza do deus Apolo e o desregramento e feiura do deus Dionísio.

Nietzsche defendia que o pensamento ocidental se deteriorou por banir da cena humana a figura do deus Dionísio por influência da escola platônica e do Cristianismo, preferindo o culto ao deus Apolo.

A necessidade de se mostrar feliz nas redes sociais demonstra a presença do caos, desencadeando sintomas de ansiedade se espalhando, da insônia e da angústia ampliadas, minimizadas por medicamentos da linha dos hipnóticos.

Um ex-engenheiro da Google - Seth Stephens-Davidovitz publicou um livro com o curioso título Todo Mundo Mente no qual aborda essa questão demonstrando que, a maioria das pessoas que se apresentam felizes e plenas nas variadas redes sociais, busca ansiolíticos e saídas para quadros de ansiedade e depressão naquele banco de dados.

No Taoismo, a visão é sistêmica entre essas duas situações - Caos e Cosmos, pelo entendimento da relação dinâmica entre Yin e Yang. Sistêmica, porque não há, no pensamento taoista, a ideia de que um desses aspectos seja melhor ou pior que o outro. Eles se complementam no todo. Por exemplo, na medicina chinesa a enfermidade é o resultado da falta ou excesso de um deles. Portanto, não é o combate de uma para anular a outra, mas um trabalho de equilíbrio entre ambas que trará a saúde de volta.

Quem lida com Astrofísica - área que estuda os fenômenos que ocorrem no Universo, sente o impacto daquela realidade ao observar sistemas estelares inteiros sendo engolidos por buracos negros, ou de trombadas entre galáxias contendo bilhões de estrelas e planetas, ou explosões de estrelas denominadas supernovas. O Universo escancara essa realidade de criação e destruição constantes.

É curioso notar que os indianos, há milhares de anos, já pensavam essa realidade observada pelos astrofísicos, concebendo um deus chamado Shiva que representa os ciclos dinâmicos da Natureza.

IMATURIDADE ESPIRITUAL: uma das fontes de sofrimento

Nossa imaturidade espiritual, fundada no culto e na estética da felicidade, não suporta essa dinâmica, arrastando-nos na busca do prazer, fugindo de situações que, potencialmente, nos fariam infelizes. A busca por bem-estar é natural; até as bactérias agem assim. Ninguém nega a possibilidade de ser feliz - é patológico assim não pensar.

Contudo, mesmo sendo óbvia essa tendência, a nossa existência será sempre marcada pela mistura de ascensões e quedas; de alegrias e tristezas; de ganhos e perdas. Não há como fugir disso a não ser pela via da negação da realidade que nos cerca: no estilo de vida que levamos na contínua busca por diversão; de ingestão de drogas lícitas e ilícitas; de formas variadas de indiferença; de malabarismos mentais de autoajuda delirante como a metáfora do “Arqueiro Infalível” na qual o arqueiro sempre acerta o alvo porque primeiro atira as flechas, depois pinta o alvo ao redor delas. É uma tolice pensar que podemos controlar todas as coisas e conquistar saúde, alegria, abundância por um simples exercício mental, ou por seguir uma determinada cartilha.

Luiz Felipe Pondé, em seu livro A Era do Ressentimento, consegue captar essa dimensão de nossa humanidade quando escreve:

Uma de nossas tragédias está no fato de que quase sempre é o fracasso que torna a vida real.

A maioria de nós só consegue sair da bolha da ilusão quando fracassa. E a morte que nos persegue a vida inteira pode representar esse fracasso, atingindo-nos, repentinamente, ao tirar alguém muito querido de nosso convívio diário.

O AVESSO DA ILUSÃO

O outro caminho, oposto ao da fuga – que parece ser o mais conveniente, porém mais trabalhoso – é o do enfrentamento das frustrações, que começa por uma boa dose de humildade. Essa humildade configura-se no reconhecimento de situações nas quais não temos controle nenhum e, aí, sim, devemos evitar a ideia tão difundida de autoajuda barata na qual quer nos convencer de que tudo podemos para atingir a felicidade plena aqui e agora.

Freud em seu ensaio “Mal-estar na Civilização” já advertia de maneira direta e crua: a felicidade para o ser humano não está nos planos da Criação.

Há quem seja mais pessimista ainda (o autor russo V.G. Korolenko): o homem foi feito para a felicidade: o que equivale dizer que as minhocas foram feitas para voar.[4]

Mesmo assim, muitos falsos profetas ganham dinheiro convencendo pessoas a perseguirem a meta ilusória da felicidade plena.

Jesus contraria esses treinadores para o sucesso chamados coaches. Observe o que Ele diz aos discípulos:

Eu disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo. (João, 16:33)

Para um frequentador de workshops onde se ensina que para ser vencedor basta seguir um determinado número de regras, perguntará:

Como assim: um sujeito que sabe que vai morrer de forma cruel e humilhante, fala aos seus discípulos que venceu o mundo?!

Uma resposta possível seria a palavra “paz” a qual mostra a chave para o entendimento do que disse o Mestre. A paz autêntica serve como poderosa ferramenta para enfrentar os momentos dificílimos e inevitáveis da vida, mesmo que não se tenha, sequer, uma pedra aonde repousar a cabeça, como disse Jesus em outro momento[5].

A paz interior é uma ferramenta poderosa, porém rara, que pode nos ajudar diante das dificuldades da vida. A paz é filha do Amor.

É bom ressalvar que não é a riqueza ou a pobreza que determinam o estado de espírito de uma pessoa, porque a paz está numa dimensão diferente das injustiças sociais.

Portanto, a paz de que fala o Cristo é a paz de espírito que independe de toda e qualquer situação boa ou ruim que nos cerca, porque nos vacina contra o orgulho do sucesso, assim como da amargura e do desalento.

AMAR É DOER

Só quem passou pela experiência de perder um filho – ponto máximo do caos instalado na vida de alguém, sabe o que é o fracasso, a impotência e a dor de amar.

Não basta saber da vida depois da morte; da reencarnação; da possibilidade de comunicação com os ditos “mortos”; de carregar grande cultura teológico-filosófica para curar uma ferida tão profunda. Quando muito pode-se alcançar um certo alívio e nada mais.

FINALMENTE, A PAZ

É sempre bom saber que não há cosmonautas, porque não há Cosmos e que, no fim das contas, nossa redenção será o Amor - se este for entendido como a mais alta compreensão da transitoriedade do sucesso e do fracasso.

A capacidade de lidar com a realidade total sem tolas distrações ou fugas sucessivas, somente assumindo nossa fragilidade diante do mundo que nos cerca e nos compõe, é que encontraremos aquela paz a que o Divino Mestre exaltava.

Mesmo que sintamos estar andando sobre o fio de uma navalha, não há outro caminho senão o do Amor; com ele, alcançaremos a redenção para enfrentar o mundo cheio de dores e seguir em paz.

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] Crisipo ou Crísipo de Solos foi um filósofo grego. Diógenes Laércio, historiador e biógrafo dos antigos filósofos gregos. A sua maior obra é Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, composta por dez livros, que contêm relevantes fontes de informações sobre o desenvolvimento da filosofia grega.

[2] Essa expressão de Diógenes Laércio foi retirada do livro Vida e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, Diógenes Laércio, Editora UnB, 2008.

[3] Licença poética: De acordo com o dicionário Houaiss, o termo “Licença Poética” é definido como a “liberdade de o escritor utilizar construções, prosódias, ortografias, sintaxes não conformes às regras, ao uso habitual, para atingir seus objetivos de expressão”. Está presente na literatura, música e nas propagandas.

[4] Citação de Theodore Dalrymple, O Terror da Existência, É Realizações, 2021, página 101.

[5] Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. (Mateus, 8:20)



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