
Ilustração mostrando a conexão neural e a ação de neurotransmissores
Minha memória me leva a
uma certa tarde… em Buenos Aires. Eu o vejo; vejo o bico de gás; era possível
pôr minha mão nas prateleiras. Sei exatamente onde encontrar As mil e uma
noites de Burton e a Conquista do Peru de Prescott, apesar de a biblioteca não
mais existir.
Jorge Luis Borges, Esse ofício do verso
Citado por Alberto Manguel em “Com Borges”, Editora Âyiné, 2020.
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Apesar de os fisicalistas[1], principalmente aqueles ligados à pesquisa no campo da Neurociência, afirmarem com grande certeza de que pensamentos, emoções não são mais do que conexões e desconexões de células nervosas e dos chamados neurotransmissores[2], ainda penso que a memória tem a capacidade da revivência que, como numa máquina do tempo, torna real aquilo que o tempo – esse destruidor de mundos – não consegue apagar.
Numa análise fria desses pesquisadores, não passo de um romântico que, como diz Caetano Veloso:
Ainda assim, acredito
Ser possível reunirmo-nos
Num outro nível de vínculo
Embora as evidências obtidas por essa importante área da Ciência e os fármacos desenvolvidos por ela e amplamente utilizados com relativo sucesso em muitos casos apontados no DSM[3], teimo em acreditar que o Amor é alguma coisa fora do plano físico.
Difícil? Quem disse que seria fácil.
Sugiro ouvir Oração ao Tempo de Caetano Veloso, interpretada por Djavan[4]:
https://www.youtube.com/watch?v=7uyeO4AAVmE
[1] Fisicalismo é,
resumidamente, a teoria da qual afirma-se que a mente, a alma, as emoções são
elaborações cerebrais.
Tem gente muito importante e séria envolvida na
pesquisa do que o cérebro é capaz. Dou alguns exemplos conhecidos por mim:
Miguel Nicholelis; Antonio Damásio; Adrian Raine.
[2] Neurotransmissor: sendo
bem econômico, como o nome já diz, trata-se de substância química produzida
pelas células nervosas (neurônios) responsável pela transmissão de informações
ao longo do sistema nervoso. Estudos apontam que a falta ou excesso dessas
substâncias podem causar desordens mentais/emocionais/comportamentais que
comprometem a qualidade de vida como, por exemplo, a depressão.
[3] DSM: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
[4] Oração ao tempo
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e 'migo
Tempo, tempo, tempo, tempo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei, nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim, acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Portanto, peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Inteligência, pensamento, razão, emoção, sentimento, vontade, fé, livre arbítrio, entre outros, são atributos do ser espiritual, logo não se localizam na res extensa, na materialidade.
ResponderExcluirPor isso, o fascinante é saber que o ser, imortal e único, conserva em si as memórias das múltiplas existencias. Logo, os vínculos afetivos permanecem na acústica da alma.
Aproveito, e peço licença, para compartilhar o poema abaixo do Carlos Drummond de Andrade, em "Claro enigma" (ed. Record, 1951):
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
A mim, findas na carne... e eternas no Espírito.