Vincent Van Gogh –
Homem Velho
Observai! Eu vos envio como ovelhas entre os lobos. Sede, portanto, astutos como as serpentes e inofensivos como as pombas. E, acautelai-vos dos homens, pois que vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. Jesus.
Bíblia King James Atualizada
Mateus, capítulo 10:16-17
À
parte a estranheza que possa causar aos defensores dos legítimos direitos dos
animais em classificar as serpentes como “astutas” e pombas como “inofensivas”,
ao ler esta passagem onde Jesus adverte seus discípulos sobre os perigos que os
aguardam caso se iludam com as aparências, vou focar naquilo que constitui as
nossas ilusões.
Sou propenso a pensar que Jesus - conhecedor das adversidades e desafios deste mundo – estava mais preocupado com a reação dos discípulos diante dos inevitáveis tropeços do caminho, do que com os tropeços em si.
Antes, é bom frisar que é óbvio que uma dose de aparência é necessária para se viver em sociedade. Todo sincerão acaba sozinho, porque se torna um chato.
Advertência: ao se referir às sinagogas, Jesus não estava sendo antissemita. Ele - Jesus - era judeu. O mestre estava se referindo a certos fanáticos que existem em qualquer corrente religiosa e política - naquele momento e naquele lugar eram alguns fariseus que o consideravam um traidor da tradição.
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Ídolos e a proximidade
Todo ídolo carrega consigo a marca de nossa imaginação, de um ideal de perfeição que sobre ele projetamos. Mas quando, por um motivo qualquer, nos aproximamos e convivemos com ele, tudo muda de figura.
É comum isso acontecer com crianças que idolatram os pais. Com o passar do tempo, as lentes do adolescente e do adulto transformam aqueles gigantes de nossa infância em criaturinhas equivocadas e, dependendo do caso, desprezíveis.
No
casamento, é comum vermos a paixão desmoronar por conta da convivência mais
íntima. Nestes casos, na melhor das hipóteses, a união termina em tédio, como
na música Latin Lover de João Bosco e Aldir Blanc.
São ilusões provocadas pelo distanciamento. A realidade costuma meter o pé na porta da existência e transformar nossas ilusões em desilusões.
Isto é ruim? De modo nenhum, porque só se desilude aquele que estava iludido. Portanto, a desilusão, apesar da dor que causa, é um benefício. Todo mundo sabe que viver na ilusão é muito problemático para qualquer um que tem os pés fincados neste mundo, e este, por sua vez, é indiferente aos nossos anseios: no jogo de loteria que jogamos por anos a fio e desgraçadamente não ganhamos, mesmo com fervorosa fé e negociando com Deus, caso ganhemos aquela bolada, prometemos a Ele que cuidaremos de criancinhas desvalidas e velhinhos abandonados; da promoção que nunca chega, mesmo à custa de nossa sabujice[1] com chefes, gerentes e patrões; com o príncipe perfumado que se transforma em sapo largando meias chulepentas no meio da sala[2] depois do jogo de futebol, ou da princesa que se transmuta em rainha agressiva e exigente ostentando máscaras de barro para deter a desgraça do tempo; do filho que, insistentemente, não cumpre com os nossos melhores projetos e ideais; com o corpo que se subjuga à insuportável lei da gravidade indiferente à nossa vaidade, e assim por diante...
O que sobra dessas desilusões? Pode sobrar o riso pela consciência de nossa infantilidade diante da vida; pode sobrar frustração que, com o tempo, se esfumaça com novas experiências e amadurecimento, mas pode sobrar ressentimento – este é maligno para a alma. O ressentimento – como a palavra já diz – é o processo de repetir, sem fim previsto, a frustração e a raiva que se retroalimenta da lembrança viva da decepção. O ressentido sente um prazer mórbido em relembrar. Essa relembrança é o veneno que consome qualquer possibilidade de alegria e de conforto espiritual, porque o coração torna-se um copo cheio de fel que o ressentido bebe sem parar.
O olhar aguçado de Millôr Fernandes alcançou essas e outras situações e nos põe um sorriso amarelo no rosto, quando diz:
“Como são lindas as pessoas que conhecemos pouco”
Costumo pensar que as lições de Jesus e de outros mestres que por aqui passaram não são docinhos oferecidos para agradar nosso paladar. Não. São desafios muito grandes que exigem grande empenho e profundo entendimento da vida.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Algumas sugestões:
“As aparências enganam” música interpretada por Elis Regina.
https://www.youtube.com/watch?v=NIlEtq1wom4
“Latin Lover”. Música de João Bosco e Aldir Blanc.
https://www.youtube.com/watch?v=Qc3vtBUDsu4
“Lupa da Alma”. Livro de autoria da psicanalista Maria Homem.
“A Cartomante”. Conto de Machado de Assis.
“As roupas fazem as pessoas”. Livro de autoria de Gottfried Keller, 1874.
Vou começar do fim:
ResponderExcluirMuito boas as suas sugestões de leitura e de músicas!!
Em relação ao tema, penso que por autodefesa inconsciente seja mais confortável à criatura lidar com o aparente que o outro se revela e confirma os rótulos atribuídos, pois requer pouca energia mental do que lidar com o oposto, o real, que requer um maior desgaste mental.
As máscaras caem e a verdade aparece, cedo ou tarde.