
Um odre: peça que, na antiguidade, se colocava água, vinho, leite, azeite e outros líquidos
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Há um ditado taoista que diz mais ou menos o seguinte:
Para aprendermos algo novo, é preciso desaprender o velho; para desaprendê-lo, é preciso que, antes, o tenhamos aprendido.
Está esquisito? Vou dar outro exemplo. Este vem de Jesus, que diz:
"Nenhum
homem coloca vinho novo em odres velhos; do contrário, os odres se rompem, o
vinho se derrama, e os odres se perdem; mas coloca-se vinho novo em odres
novos, e assim ambos se conservam."[1]
Bíblia
King James. Mateus, 9:17.
Para começo de conversa, Jesus põe uma pá de cal sobre a ideia de “reforma íntima” tão cara para muitos espíritas. Claramente, o que Jesus propõe é uma revolução e não uma reforma. Kardec chamaria essa revolução de “transformação moral”[2].
Em ambas as citações, a ideia central é de que conceitos velhos, carcomidos pelo tempo, ultrapassados podem contaminar o que surge no horizonte do conhecimento humano, não raras vezes contrariando o que já está acomodado em nossa alma. Esse é o ponto.
Assim como o cérebro[3], nossa alma, em geral, não gosta muito de gastar energia e o que nos incomoda faz com que a gastemos em excesso para nos adaptarmos às novas visões. Aliás, é comum não sairmos do lugar em que nos sentimos quentinhos e protegidos. A porta é estreita, como dizia o Cristo.[4].
É
difícil lidar com o mar revolto que se instala em nosso espírito quando algo
novo surge e derruba edifícios conceituais e crenças arraigadas. Isso ocorre
não só nas religiões, acontece também na Ciência e na Filosofia; na Ciência,
sua metodologia exige que hipóteses, mesmo brilhantes, sejam testadas pela
comunidade científica antes de ser aceita. A Filosofia possui uma porosidade conceitual que permite
a introdução de novas visões de mundo, contudo, assim como na Ciência, a
Filosofia possui sua ferramenta de verificação dessas novas visões – o exercício
constante da suspeita. Tudo exige trabalho, empenho, estudo e espírito aberto. Sem
estas ferramentas, o que temos é dogmatismo cego e reacionário.
Conclusão:
O Kardec apresentado tanto pelos seus detratores quanto pelos seus “seguidores” desconstroem seu pensamento, mas sem tê-lo estudado com profundidade. O resultado já sabemos: os odres se romperão e não sobrará nada, como diz o Cristo.
A meu ver, uma das contribuições dadas pelo trabalho intelectual de Kardec, fundamentalmente, está na desmistificação da ideia de sobrenatural que comumente é rotulado o fenômeno espírita, colocando-o na ordem natural das coisas.
Ao pensarmos na possibilidade de desconstruir Kardec, algo que, cedo ou tarde, teremos de fazer, é sempre bom lembrarmos de um trecho da carta escrita por Isaac Newton[5] a Robert Hooke: Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.[6]
Kardec trouxe para o campo natural aquilo que era tido como sobrenatural. Isto não é pouco. Ele não promoveu uma reforma no pensamento espiritualista. Ele promoveu uma revolução.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Odre: saco feito de pele para
transporte de líquidos.
[2] Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII, item 4
[3] Descobertas recentes no campo da Neurociência indicam que o cérebro
tende a economizar energia.
[4] Entrai pela porta estreita, pois larga é a porta e
amplo o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por esse
caminho. Porque estreita é a porta e difícil o caminho que conduz à vida,
apenas uns poucos encontram esse caminho! Mateus, 7, 13-14.
[5] Isaac Newton (1643-1727): Expoente da Ciência,
foi matemático, astrônomo, físico inglês.
[6] Essa ideia de buscar a verdade a partir de descobertas anteriores é atribuída
a Bernardo de Chartres, filósofo francês do século XII que deve ter se
inspirado nas figuras mitológicas do gigante cego Órion que carregava em seus
ombros o seu servo Cedálion. Este só conseguia enxergar mais longe, porque
estava sobre os ombros daquele.
O ditado taoista citado
no começo deste texto faz referência a essa ideia, porque só poderemos aprender
o novo, se e somente se tivermos, previamente, aprendido o velho.
R otineiramente
ResponderExcluirE conomizamos esforço
C omo você escreveu
O scilamos diante do
N ovo, desconfiados ou
S ossegados, afinal
T ransformar-se exige
R enúncia do ego e
U rgência de humildade
I sto posto, o Espiritismo
R esultará no que propôs Kardec:
Ciência, Filosofia e Religiosidade interdisciplinarmente na universalidade crítica, holística e de valor moral.