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MEMÓRIA E TEMPO


Resposta ao Tempo

Aldir Blanc/Cristóvão Bastos

Por Júlia Simões

https://www.youtube.com/watch?v=P2vCNIVFNp8&list=PLKLh_42F0iBz3d0Wt3OyxTKxDGRYveqAW

***************

 Chove mansamente aqui onde moro. Ouço, com silencioso respeito, o estalar das gotas caindo nas folhas, ao mesmo tempo que escuto Resposta ao Tempo. É uma bênção poder vivenciar este momento.

É inevitável lembranças dos cachorros que tive em minha companhia durante 17 anos. No ano passado - 2023, perdi os dois últimos: mãe e filho - Pirí e Lubi. 

Quando esfriava ou chovia, costumavam deitar-se ao meu lado e, quietinhos, dormiam como anjos. Sinto sua falta.

Por isso, a canção Resposta ao Tempo na linda voz de Júlia Simões - filha de um grande companheiro dos dias fáceis e difíceis, o meu saudoso amigo Walter Ribeiro Simões.

O tempo, esse conceito inventado pelos seres humanos para dar sentido à criação do universo, não pára a sua dança de criação/destruição representado pelo deus Shiva na cultura indiana.

É impossível colocar em palavras a mistura de sentimentos que atravessam minha alma neste instante que, apesar da tristeza que se apodera dela, a doçura de suas presenças na memória me acalma.

Memórias fazem parte do cardápio de nossas existências enquanto aqui estamos na condição de cadáveres adiados[1].

Batidas na porta da frente, é o tempo...

Velho Sima,

Lubi e Pirí.

Gratidão sempre.

E você, tem atendido às batidas na porta da memória e sentido a brisa da presença de amigos que já se foram?

Sei, é difícil, mas quem disse que seria fácil?


[1] Fernando Pessoa - Quinta: Sebastião, Rei de Portugal:

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

Comentários

  1. Ouvi a canção e diversas lembranças apareceram.

    Quantos bichinhos domésticos me marcaram!

    Mamíferos, aves e um réptil, fossem por curto ou duradouro prazo de convivência, muito me sensibilizaram.

    Esses irmãos menores, nas atitudes próprias de suas espécies, fizeram-me rir e chorar, sentir e sonhar, cair e levantar.

    Afortunados somos todos nós que junto deles aprendemos no amor a volitar.

    Danada goteira que não cessa de pingar!

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