*a palavra "homem" aqui diz respeito à espécie humana e não ao gênero masculino.
Saruê é um tipo de gambá confundido por muita gente com rato.
É um animal marsupial (os filhotes nascem precoces e se aninham e se desenvolvem em uma bolsa que
fica no ventre desses animais – como, por exemplo, o canguru).
Sua dieta é ampla: come raízes, insetos como: baratas, carrapatos, escorpiões; também frutas, e pode eventualmente abater e
comer cobras peçonhentas.
Ele possui uma defesa natural contra o veneno dessas serpentes, o
que lhe dá vantagem sobre esses répteis. Para quem mora rodeado por mato, como
eu, essa defesa contra escorpiões e serpentes é muito bem-vinda.
Vira e mexe, a administração do condomínio onde moro, faz
dedetizações por conta da presença de escorpiões atraídos pelo número elevado
de baratas que saem dos esgotos e encanamentos.
Eu havia publicado mensagem esclarecendo a todos do condomínio que
os gambás são guardiões dessas pragas, mas não adiantou.
Infelizmente, é abatido de forma sistemática pelo homem por ignorância.
Além de ser um excelente faxineiro, o gambá saruê não traz ameaça de
transmissão de doenças além daquelas comuns em gatos e cachorros.
Tínhamos o Chiquinho – gambá, adolescente dessa espécie, que
frequentava nosso quintal. Adorava frutas; tudo o que púnhamos ele não deixava
sobras.
Ontem, achamos o nosso Chiquinho morto no quintal. Provavelmente
envenenado. Grande tristeza misturada a uma indignação sem tamanho!
O que sobra é um pulsante desapontamento em nosso coração.
Por um tempo, lecionei Biologia para o ensino médio. Não tive uma
formação primorosa, mas eu procurava compensar minhas deficiências acadêmicas
enfatizando a importância de desenvolvermos uma consciência ecológica por onde
passássemos, sem cobranças chatas ou pieguices. Consciência com a qual
poderíamos evitar a extinção da própria espécie.
Pelo jeito, pouco se tem feito para frear as mudanças climáticas e os tsunamis ambientais que surgirão daqui para frente. O ser humano sobreviverá a esses fenômenos climáticos? A conferir.
É bom lembrar que o ser humano, biologicamente falando, não produz nada; ele só consome. Ele depende de uma enorme cadeia de fluxo de energia que começa com os seres que, de fato, produzem energia - os autótrofos. Ao quebrar elos dessa corrente de transmissão energética, estará fadado ao fracasso e ao desaparecimento. A não ser que se torne um Deus ex machina[1].
[1] "Deus surgido da máquina" expressão utilizada para
indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra
ficcional.
Parecemos sapos em banho-maria da história em que se põe o sapo numa panela com água em temperatura ambiente e acende-se o fogo. À medida que a água esquenta, o metabolismo do sapo faz com que ele se adapte à temperatura até que a água ferva e, sem condição de pular, o pobre sapo acaba por morrer.
Ao ver o Chiquinho delicadamente inerte – parecia dormir; inocentemente indefeso diante do bicho-homem, veio-me à memória a música composta por Chico Buarque e Francis Hime – Passaredo. Ao ouvi-la, meu coração bate mais rápido[2] e sinto um nó na garganta difícil de desatar.
https://www.youtube.com/watch?v=U3WEtpox7VwEi, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Vivemos indiferentes, diante de constantes holocaustos.
Difícil, não é? Quem disse que seria fácil?
[2] Segundo os cardiologistas, o estresse provocado por
emoções fortes causa uma descarga de adrenalina no corpo fazendo com que os
vasos sanguíneos se contraiam elevando a pressão e a frequência cardíaca.
Entendo seu pesar pela perda do seu Chiquinho pelo "homem". A propósito, creio que a dimensão da minha tristeza pelo desmatamento criminoso da exuberante floresta amazônica, o meu habitat original, pode transcender essa sua dor, pela razão óbvia. Esse ambiente exótico contemplou e invadiu os meus sentidos, de forma perene, como uma manifestação inequívoca da presença da Inteligência Suprema. Cada novo clarão que vejo na mata exacerba ainda mais minha dor, tal qual você sentiu com a perda do seu gambá. Peço desculpas por ter-me estendido no assunto, meu estimado irmão. Aguardo suas próximas publicações. Abraço.
ResponderExcluirSua publicação me traz todas as minhas inquietações crescentes...
ResponderExcluirCom o fogo na mata, com o calor insuportável, com o frio extremo, tsunamis e mares que invadem, com a morte dos chiquinhos...ainda hoje falava com meus praticantes na aula um ensinamento q a vida me deu há muito tempo: encontrei uma mulher varrendo a frente da sua casa, onde havia uma árvore linda q sempre admirava qdo passava. E lhe disse: - que linda essa sua árvore! Pena o trabalho prá recolher tanto lixo! Ao que ela me disse: - nãooo!!!! Não é lixo! É flor! Pronto! Um outro olhar prás coisas da vida...carrego isso até hoje prá tudo! Assim como carrego a voz da minha tia, mulher sábia, ensinando a mim e aos meus primos, que não se devia atirar com estilingue em passarinho, e que toda vida era importante na roda da natureza! Pesar pelos tantos chiquinhos...o homem tá aí...
Bjos e obrigada pela oportunidade de reflexão, humberto
Lica
Educação exige tempo, paciência e dedicação.
ResponderExcluirElabore, de novo, um informe em A4, didático, explicativo, sobre a importância dos saruês/gambás e coloque sob a porta das residências do condomínio, portaria, postes no entorno, comércios próximos, e por aí vai.
Tem quem é auditivo, ouve, entende e guarda a informação. Tem quem é visual, lê, entende e retém a informação.
Pode ser que a pessoa que pôs o veneno desconheça o grau de gravidade do crime que cometeu, talvez, não se sabe.
Para evitar outros nefastos episódios vale divulgar onde e como puder, seja nas rádios, jornais, redes sociais do bairro ou da cidade, enfim botar a boca no trombone.
Em consideração à memória do Chiquinho, protegei a fauna!!