Imagem: Sidarta Gautama - o buda original
Fonte: Folha Uol
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Caso queira ouvir o texto, clique no link abaixo:
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Extraio um trecho do artigo de um filósofo contemporâneo - amaldiçoado pela esquerda e malvisto pela extrema direita estridente e mal informada - e que tem feito muita gente pensar fora do horizonte estreito da pobreza intelectual básica. Esta última presente como uma praga.
O trecho é o seguinte:
Sabemos
que todo esse princípio hermenêutico implica o empobrecimento semântico e
cognitivo. Isto é: a tal da famosa burrice. Fala-se mal, entende-se mal,
enxerga-se mal.
Toda
militância, por definição, implica um empobrecimento prévio da alma e da
inteligência —mesmo quando a causa é boa. Repetem-se frases, estreitam-se os
olhares. É um grande rebanho de zumbis.
Militante é sempre um chato e alguém que faz você perder o seu tempo, como um pregador que bate de porta em porta.
Luiz Felipe Pondé
É difícil saber
a essa altura se o Brasil sobreviverá à radicalização política
Folha de São Paulo, 4/06/2023.
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Muita gente, com pouco repertório, entende mal a proposta de Buda referente ao Caminho do Meio. Essa gente acha que posicionar-se neste caminho, nada mais faz do que “ficar em cima do muro”. Ledo engano[1].
O sujeito que fica “em cima do muro”, ou é covarde, ou é interesseiro. É uma expressão exterior, visível, porque dependerá da presença do outro para se manifestar.
Já o Caminho do Meio é uma expressão interna de quem se propõe a lidar com os desafios naturais que surgem ao longo da existência, de preferência em silêncio. Portanto, não é visível. E para usar um clichê, o Caminho do Meio é invisível aos olhos, porque é essencial.[2]
Posicionar-se no Caminho do Meio é muito trabalhoso. É trabalhoso porque exige do caminhante a responsabilidade de administrar as tensões próprias da existência sem a presença de muletas e palpiteiros sacralizados pela mídia. Em outras palavras, é apropriar-se da existência pelas próprias mãos como se fosse uma aproximação do que dizia Sartre em seu existencialismo[3].
É, enfim, conduzir a própria vida sem o temor dos covardes e sem o excesso dos irresponsáveis. Muitíssimo difícil esse caminho do meio![4]
E, você que me lê, faça um exercício para medir a dificuldade que é seguir esse Caminho, porque a sua essência é invisível aos olhos não só daqueles que estão fora dele, mas, também, de quem o experimenta! Caso assim não seja, o sujeito que observa a si mesmo no processo do caminhar já nele não está, porque tudo o que fizer estará condicionado a uma tarefa para alcançar determinado alvo e o Caminho do Meio, no meu entendimento, não pode ter alvo. Ele já é o alvo em si mesmo. Difícil, não é?
Outra complicação é que qualquer caminho pressupõe caminhar. E o “caminhar” é dinâmico, porque implica em movimento, e nossa tendência, por insegurança ou interesse, é a de estacionar em determinada ideologia, em determinada situação, em determinado posto. Ordinariamente, agarramo-nos a objetos que pouco ou nada valem para o efetivo amadurecimento espiritual. Nossa “viagem” é um passeio pelas bordas da alma. Temos medo de mergulhar em águas profundas. O nosso trabalho de investigação sobre nós mesmos é raso como um pires.
E o que tem a ver toda essa conversa com militância?
Tudo. Todo militante acredita que o que defende é indestrutível, é definitivo, é a verdade, e isso cheira à fixação em determinado lugar, determinada posição. Essa conduta contraria frontalmente a proposta do Buda que é o de nunca estar no mesmo lugar, porque, segundo ele, tudo é ilusão[5].
Ocorre que, para espíritas militantes, que estacionaram no século XIX, e insistem em ficar numa chave positivista, já superada, essa visão dinâmica do mundo é dura de engolir.
Culpa deles? Creio que não!
Boa parte dessa gente foi formada pela pedagogia aplicada nos centros espíritas; esse modelo pedagógico não articula, e nem desenvolve uma educação libertadora; não liberta de preconceitos limitantes enraizados na alma; carece de desafios que previnem o estudante de uma cosmovisão estreita e infantilizante.
Eu sei, estou sendo redundante. Faz parte do meu jeito de escrever. Peço desculpas aos puristas da língua.
E se Buda estivesse entre nós, hoje, talvez perguntasse: “preciso desenhar?”.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Suas críticas, correções e sugestões serão bem-vindas.
Obrigado por estar aqui.
[1] Ledo engano:
seria um erro cometido de boa-fé, por ignorância.
[2] Alusão ao O pequeno príncipe. Obra de Saint
Exupéry – Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos
olhos.
[3] Para Jean Paul Sartre o ser humano está condenado à
liberdade. Por mais afetados estejamos pelas condições externas, ainda assim
continuamos escolhendo. O próprio Sartre põe um espinho na carne daquele que
almeja essa liberdade – o da responsabilidade. O seu “ser-para-si” é a
expressão da responsabilidade da criatura por si mesma.
[4] É curiosa a relação entre a concepção de virtude de
Aristóteles com a ideia do Caminho do Meio.
[5] Vários autores, gigantes de diversas áreas do
conhecimento, falam que o mundo que vemos não é o mundo real, mas uma
representação culturalmente construída. Cito alguns exemplos:
Nietzsche vai dizer que
a verdade é uma questão de perspectiva.
Einstein afirma que o
espaço e o tempo são relativos.
O dramaturgo italiano
Giuseppe Pirandello escreveu uma peça para teatro intitulada Assim é se
lhe parece.
A dança das partículas
subatômicas, na Física Quântica, vai demonstrar que o Universo não é aquilo que
vemos.
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Alguns pensamentos me vieram à mente durante a leitura :
ResponderExcluirA fronteira entre semeador, divulgador, palestrante, militante é (in)delimitado devido à cultura, época e, fundamentalmente, a subjetividade de quem é protoganista, que diverge do figurante, no palco da vida.
Paulo de Tarso se enquadraria em qual rótulo?
Batuíra, Caribal Schutel, Anália Franco seriam nomeados como?
Paramahansa Yogananda ao ministrar aulas e cursos no ocidente era um emissário apenas ou defensor de uma causa?
Sim, há os que estão em "volume alto" e irritam pela intensidade das sobressalentes insistências verborreias. Cuidemos de ouvir os bons presságios anunciados pelos ventos navegantes.
Gosto da filosofia de Siddhartha Gautama, do princípio de caminhar em domínio próprio entre as margens das polaridades.
Caminhemos. Somos peregrinos no itinerário das nossas rotas interpessoais.
A ideia do Caminho do Meio me remete, de pronto, à sua dinâmica e à indolência do catolicismo e seus semelhantes. Uma, por ser trabalhosa, resulta no crescimento da alma; a outra, ao empobrecimento dela. Não posso acrescer mais nada ao seu irreparável texto. Meu afetuoso abraço.
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