Fui
inspirado a falar sobre esses dois temas – equilíbrio e felicidade - pelo
livro “Mudar – Caminhos para a transformação verdadeira” de autoria do
psicanalista Flávio Gikovate, MG Editores, 2014.
Este
livro oferece reflexões sobre o que é, para quê e por que mudar.
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Não
haverá felicidade na Húbris[1].
Isto é ponto pacificado.
Portanto,
é preciso saber como atingir o equilíbrio antes de se pensar em felicidade.
Mas
o que é “equilíbrio” e como atingi-lo?
Muitos livros ditam regras para atingi-lo, sobretudo livros de autoajuda. Mas o
equilíbrio não pode ser buscado, não pode ser meta. Assim como outras virtudes,
o equilíbrio não pode ser alcançado por obediência a regras, a ditames, a algum
conselho dado por um guru.
Eu
só posso chegar a algum lugar se souber qual será o caminho para atingi-lo e,
no caso, sem saber o que vou encontrar ao fim da jornada. Para nós - seres em
construção – é impossível saber. Como diz Ubiratan Rosa influenciado pelo
pensamento krishnamurtiano[2]: todo
o esforço feito para alcançar alguma virtude pode resultar em frustração ou autoengano.
Esse
esforço que empreendo para alcançar determinada condição virtuosa tem de ter a
visão clara do que é essa condição. E eu não a tenho. Falta-me as ferramentas
necessárias para isso e há uma forte possibilidade de ter essa condição de
forma falsa e, por fim, essa condição almejada pode não ser aquilo que
imaginei. Esse é o ponto.
Então,
o que fazer?
Bem,
se quero atingir um ponto de equilíbrio – uma homeostase[3]
existencial – tenho de saber o que provoca o desequilíbrio, o que é estar
desequilibrado. Partindo desse ponto – quase como uma reatância psicológica[4]-
começo a trabalhar para descobrir.
Parto
de uma condição negativa do conceito para chegar a ele: se quero manter-me
humilde, tenho necessariamente, de descobrir o orgulho que habita em mim, porque
posso pensar que atingi aquele patamar espiritual no qual almejei, mas não
passa de simulacro criado pelo próprio orgulho.
Ao
entender o que é desequilíbrio, poderei trabalhar para diminuir essa condição
com as ferramentas que possuo e, ao trabalhar para sair dela, naturalmente, sem
imaginações, vou penetrando o campo do equilíbrio gradual e mansamente, sem
forçamentos.
Superada
essa etapa, penso, poderei sentir a brisa da felicidade movendo-se em mim sem
que eu dê conta dessa condição, porque não se trata de um exercício mental, de
uma grande racionalização. Trata-se, antes, de uma disposição de espírito, de
uma prontidão causada pelo estado de equilíbrio atingido.
E
é muito bom saber que, não são condições permanentes, porque mesmo que eu
atinja esse estado, haverá pessoas que me acompanham e que amo as quais podem
estar em estado de desequilíbrio ou passando por aflições e isso trará
consequências imprevisíveis para o meu coração.[5]
É
duro saber disso: a prática da virtude não me garante uma vida plenamente
feliz. Não adianta bater na madeira 3 vezes.
Esse
é o desafio posto diante de quem quer viver uma espiritualidade robusta
radicalmente oposta àquela oferecida para mentes infantilizadas que buscam uma espiritualidade gourmet.[6]
Ao
agir “virtuosamente” na expectativa de me sentir feliz nada mais faço que
negociar com a divindade num mecanismo de trocas. Na verdade não sou
virtuoso; sou interesseiro como já dizia o velho Vieira.[7]
Sugiro
que, você que me lê, procure na sabedoria oriental, por exemplo, no Taoísmo
alguns subsídios sobre o tema “equilíbrio” que, na linha taoísta, é uma
situação sempre dinâmica, nunca estática.
O
equilíbrio tem um aspecto interno – que depende do sujeito; como um aspecto
externo – que depende das relações do sujeito com o meio em que vive.
Na
sabedoria judaica Tsedaká é o termo para designar esse dinamismo: o
equilíbrio no mercado – sistema de trocas justo. Não se tem riqueza na
companhia de uma multidão de miseráveis. Não se tem felicidade quando se está
rodeado de infelizes.
Enquanto
isso, vamos seguindo com Fernando Pessoa:
Navegar
é preciso (é necessário). Viver não é
preciso (é incerto)[8].
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1]
Húbris: palavra que
vem do grego; pode significar desmedida; desregramento; excesso.
[2] Referência ao pensador
indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986).
[3]
Capacidade do
organismo de se manter constante, para que suas funções e reações químicas
essenciais não sejam influenciadas e permaneçam dentro dos limites aceitáveis à
manutenção da vida.
[4]
Reatância
psicológica é expressão da Psicologia reversa: se eu quero que alguém rabugento
e reativo lave a louça, eu digo a ele: “não quero que você lave a louça”. Para
contrariar minha ordem o sujeito reage, lavando-a.
Pegando um gancho nessa teoria
psicológica, para que eu saiba se tenho algum equilíbrio emocional, tenho,
antes, de saber o quanto sou desequilibrado.
[5]
A frase “tudo
isso passará” vem de Chico Xavier aconselhando a pronunciarmos quando estivermos
vivendo períodos de grande aflição e sofrimento. Ocorre que muita gente se
esquece que o “tudo” da frase inclui os momentos bons e prazerosos, também.
Tudo é impermanente como dizia o velho Heráclito, filósofo da Antiga Grécia.
[6]
A
espiritualidade gourmet (expressão inspirada no filósofo Luiz Felipe Pondé)
é aquela espiritualidade na qual o sujeito busca prazer e alegria com uma dita
prática espiritual. Bem distante da prática espiritual experimentada por
grandes vultos da humanidade. O Cristo mesmo teria dito: não pensem que vim
trazer a paz. Não vim trazê-la, mas trazer a espada. Obviamente aqui a
espada representa luta, desassossego, desafios constantes; não a alegria boba e
barata.
[7]
Referência aos
sermões de Padre Vieira:
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino. Padre António Vieira, in "Sermões" (destaque meu).
[8]
"Navegar
é preciso, viver não é preciso" [?]
No século I a.c., o general
romano Pompeu, encorajava marinheiros receosos, inaugurando a frase “Navigare
necesse, vivere non est necesse.”
Corria o século XIV e o poeta
italiano Petrarca transformava a expressão para “Navegar é preciso, viver não é
preciso.”
“Quero para mim o espírito
dessa frase”, escreveu depois Fernando Pessoa, confinando o seu sentido de vida
à criação.
E cantando a coragem
navegante, em jeito de fado brasileiro, Caetano Veloso escreveu Os
Argonautas. “Navegar é preciso, viver …” Com um fim inacabado, a música
lança as interrogações.
Navegar é preciso?
Sim! Navegar é uma viagem
exata. Fazia-se com bússolas e astrolábios. Hoje, faz-se com satélites, GPS’ e
www’s.
Viver não é preciso?
Não! É uma viagem feita de
opções, medos, forças, inseguranças, persistências, constâncias e transições …
Mais de 2000 mil anos depois,
interrogamo-nos:
Viver não é preciso?
Não, quando navegar é sonhar,
ousar, planear, arriscar, empreender, realizar…
Porque aí, navegar é viver!
Fonte: Universidade de Coimbra:
https://www.uc.pt/navegar
Aprender a firmar o pescoço para sustentar o peso da cabeça.
ResponderExcluirCapacitar a coluna para conseguir sentar-se.
Tentar ficar de pé, com apoio e depois sem. Equilibrar-se ao andar.
Experimentar o correr, controlando a velocidade.
Ensaiar o segurar um objeto sem deixar cair.
Adquirir a motricidade fina.
Saber levar um talher ou copo à boca.
Dosar a quantidade de alimento ou bebida.
Dominar as necessidades fisiológicas.
Moderar o tempo de atividade e descanso.
Regular o ouvir e o falar.
Balancear a razão com a emoção.
Quantas justas medidas temos conquistado e, só por elas, nos proporcionam tantas felicitações!?!
Somos felizes, sem o saber.