EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
Algumas pessoas me perguntam por que utilizo sempre
referências evangélicas em meus textos. Argumentam elas que corro o risco de
não ser lido pelos não cristãos e de empobrecer o debate.
Primeiro: é
bom lembrar que a palavra “evangelho” vem do grego e, naquela língua, significa
“boa nova” ou “boa notícia”.
A expressão “Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”,
constante no segundo livro da Bíblia Sagrada – o Novo Testamento –, traz a
ideia de que Jesus teria trazido algo novo, constituído por uma notícia
fundamentalmente boa para todos. Segundo o filósofo francês Luc Ferry, essa boa
nova tornou a salvação acessível a todos, não apenas aos sábios ou virtuosos;
introduziu a ideia de um Deus pessoal e amoroso; colocou o amor como princípio
supremo (A Mais Bela História da Filosofia, Luc Ferry & Claude Capelier,
Editora Difel).
Pedindo licença a Ferry, ouso dizer que o Mestre
estava se referindo a uma instância interior profunda a que chamou “Reino de
Deus”. Essa é, para mim, a base de todo o ensinamento d’Ele.
Isso não é pouco, nem fácil: diz o Mestre que essa
instância está dentro de nós e que podemos acessá-la pelo empenho de cada um na
direção de sua descoberta.
Veja: Jesus revoluciona o pensamento de seu tempo ao
propor que o “céu” não se encontra em algum lugar fora de nós mesmos, nem
distante.
Então, não é pouco, porque já não depende das bênçãos
de um representante de Deus na Terra para o acesso a esse “reino”; não será
mais uma determinada religião que terá a chave para abrir a porta.
E não é fácil, porque há muito entulho cultural,
valores milenares, condicionamentos que impedem esse acesso. É claro que
podemos contar com companheiros, com filosofias, com pensamentos cujas bases
facilitam essa viagem para dentro, mas o trabalho depende de cada um.
Esse reino é atemporal, portanto, não tem data de
validade. Não há pressa em “chegar”. Temos todo o tempo disponível. É por isso
que o Mestre disse ao seu interlocutor: o maior mandamento é amar a Deus de
todo o seu entendimento e de todo o seu espírito. Em outras palavras: vá com
calma, não tenha pressa, não queira atropelar seus limites, caminhe de acordo
com que tem disponível, de acordo com o teu entendimento – isto é a
compreensão divina.
Segundo: o
Cristianismo influenciou fortemente a cultura ocidental – tanto no campo
religioso quanto no filosófico, histórico, social e político –, além de deixar
marcas profundas nas artes e na arquitetura. Até hoje, possui o maior número de
adeptos no mundo, com cerca de 2,4 bilhões de seguidores, representando um
terço da população mundial. Então, a chance que tenho de falar a cristãos é
muito grande.
E, se alguém disser que, no ambiente da Web, posso ser
ofensivo ao abordar essas questões pelo viés cristão, eu respondo que Jesus era
judeu. Seu pensamento estava a serviço de um arejamento e de uma revolução
dentro do pensamento judaico; e por que não dizer não-judaico?
À maneira de Sócrates – em contexto diferente –, Jesus
foi julgado, condenado e morto por desafiar princípios, costumes, regras
vigentes há muito tempo.
Se houver algum leitor que seja ateu ou adepto de
outra corrente de pensamento, isso não fará diferença alguma, porque exploro os
ensinamentos do Mestre por uma ótica não confessional – livre e reflexiva –,
como se poderia explorar o pensamento de qualquer outro pensador de Filosofia
Moral e Ética.
Não me incomodo com a ideia de que Jesus possa ou não
ter dito certas passagens que aqui utilizo. O valor está no pensamento que
emerge delas. Nesse sentido, a obra O que Jesus disse? O que Jesus não
disse?, de Bart D. Ehrman, é um bom começo para quem deseja refletir
criticamente sobre essa questão.
Meu interesse por Jesus está ligado ao Jesus
histórico, e não ao Jesus mítico. É isso que me afasta da literatura espírita
de aeroporto, carregada de uma pesada carga mítico-religiosa em torno da figura
do Mestre.
Terceiro:
apesar de minhas objeções, a doutrina espírita é eminentemente cristã. Kardec
explorou o ensinamento cristão em sua face moral, desprezando os outros
aspectos da vida de Jesus. Com isso, ajo com coerência na proposta deste blog –
Espiritismo Debatido.
Meu propósito é investigar o que for possível dentro
do grande campo oferecido pela Doutrina Espírita e, com a liberdade necessária
para dialogar com todas as correntes de pensamento disponíveis, com o mínimo de
afetação.
Creio que, pelo exposto, justifico e esclareço,
de alguma maneira, minhas inserções dos evangelhos em meus textos.
Agradeço a sua presença como leitor aqui.
Sei que é difícil, mas quem disse que seria fácil?
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