Pular para o conteúdo principal

DEUS: tudo de quase nada

Galáxia GLASS-z13*

Imagem captada pelo Telescópio James Webb

*Essa galáxia está a 13,4 bilhões de anos-luz de distância, ou seja, percorrendo o espaço de 300 mil quilômetros por segundo, a luz dessa galáxia viajou 13,4 bilhões de anos para atingir as lentes do telescópio. Com a expansão do Universo, calcula-se que, hoje, ela esteja a 33 bilhões de anos-luz de nós.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Que é Deus? – pergunta Kardec aos espíritos

“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”. – respondem os espíritos.

Deus é infinito em Suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é o infinito é tomar o atributo de uma coisa pela coisa mesma, é definir uma coisa que não é conhecida por uma outra que não o é mais do que a primeira.

Referência: Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão nº 1

Volto ao ponto – já martelado por mim aqui nesse espaço: será a justiça divina igualzinha, sem pôr nem tirar, como os homens imaginam que seja? Será que a justiça divina opera como os homens desejam que opere? Afinal, será que Deus tem “lugar de fala” nessa história?

Do meu ponto de vista, claro que não! Deus não tem “lugar de fala”, até porque Deus “não fala” - pelo menos o deus que eu concebo.

Espíritas afoitos que acham que descobriram a roda ao lerem o Livro dos Espíritos, não percebem que a resposta dada pelos espíritos contém tudo de quase nada.

Explico:

Primeira dificuldade: já é bastante complicado entender o que é “inteligência”, principalmente com o avanço da Neurociência; por indução chego à conclusão de que: se já é difícil definir a inteligência costumeira, ordinária, fica infinitamente mais difícil entender o que é  uma inteligência com a qualidade de “suprema”. Quem souber, por favor, me avisa.

Segunda dificuldade: observe que na mesma resposta, os espíritos falam de “todas as coisas” e não de “algumas coisas". Entendo como “todas as coisas” aquilo que compõe o Universo. Mas o que é o Universo?

Até o momento em que escrevo essas linhas, não há, entre os astrofísicos, uma confirmação do que compõe 95% do Universo que, segundo eles, é composto por matéria escura e energia escura e, os 5% restantes ainda existem muitos mistérios a serem investigados. Portanto, conhecemos muito de quase nada.

Atente para dois detalhes: no campo da Astrofísica acredita-se que haja outros universos formando o Multiverso. Nada confirmado ainda, mas com volumoso material teórico. E para complicar mais, nós espíritas, não podemos esquecer que existe o que os espíritos chamam de “mundo espiritual” – um multiverso paralelo ao multiverso físico.

Deu tontura? Não, não é labirintite; é o que os astrofísicos sentem ao observar as imagens captadas pelo James Webb.[1]

Você que me lê, percebeu o tamanho da encrenca?

Então, toda vez que colocarem a palavra Deus seguida do verbo “é”, sugiro prudência ou um caldo de galinha. Dizem, ambos não fazem mal a ninguém.

Não é difícil concluir que os espíritos respondendo à Kardec sobre o “que é Deus”, disseram tudo de quase nada.

Tem outra questão, já levantada por mim, mas que repiso: sendo Deus a “causa primária de todas as coisas”, não invalida a tese de Espinosa[2] sobre Ele – Deus.

Contudo, coerente com o teísmo espírita-cristão, acho que Deus criou “todas as coisas” do lado de fora - um relojoeiro não cria um relógio estando dentro do relógio.

Então, para saber mais ou menos que é Deus tenho de, primeiro, entender todo o mecanismo do relógio (leia-se relógio = todas as coisas). Do que esse relógio é feito, como ele funciona. Então, para ter uma ideia aproximada do “que é Deus” terei de conhecer bem os 5% do Universo visível e os 95% daquilo que não é visível - e, caro leitor, atente que estou falando de Universo físico; no meu entendimento, o nosso conhecimento do Universo Espiritual é muito perto do zero.

Ao falar de Deus e suas supostas qualidades tenho de me perguntar quanto eu conheço de sua obra (no exemplo, o relógio). Entendeu a encrenca?

Quando alguém te perguntar sobre Deus, é melhor adotar a postura de Santo Agostinho ao falar sobre o tempo: se me perguntas o que é o tempo, não sei; se não me perguntas, eu sei.[3]

Difícil? Quem disse que seria fácil?

Enquanto isso, ouça Yo-Yo-Ma interpretando O Cisne e imagine-se sentado nas asas do James Webb olhando para as profundezas do Cosmos.

https://www.youtube.com/watch?v=3qrKjywjo7Q

Obrigado por estar aqui.


[1] James Webb é um telescópio que opera além da órbita da Lua. Lançado em dezembro de 2021, tem ampliado o conhecimento do gigantesco abismo em que estamos inseridos. O nome do telescópio foi dado em homenagem a um diretor da NASA.

[2] A concepção de Deus por Baruch Espinosa, filósofo de origem holandesa (1632-1677) não corresponde à concepção espírita de Deus. Para aquele filósofo, numa leitura rápida,  Deus e a Natureza se confundem, enquanto que para a Doutrina Espírita, são elementos separados e constituintes da realidade total. Apesar das visões diferentes sobre a divindade, me agrada a ideia de que Deus não tenha criado as coisas para agradar o homem, e nem para que estes O agradem. Toda vez que alguém diz que faz isso ou aquilo para agradar a Deus, sinto sono, tédio e muita desconfiança.

[3] Santo Agostinho bispo de Hipona no século IV. Escreveu o famoso Confissões. Lembrando que para os astrofísicos o tempo começa a contar a partir do Big Bang (fenômeno que deu origem ao Universo conhecido).


Comentários

  1. Ocorreram-me tantas ideias, todavia pelo horário vou deixar apenas a seguinte reflexão:

    "Não perguntes se Deus é um foco gerador de mundos ou se é uma força irradiando vidas. Não possuímos ainda a inteligência suscetível de refletir-lhe a grandeza, mas trazemos o coração capaz de sentir-lhe o amor." - FCX & Emmanuel / Fonte Viva 164

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

CORONAVÍRUS E A TRANSIÇÃO PLANETÁRIA

Depois da espanhola [1] e de outras piores, a humanidade saiu do mesmo jeito que sempre foi. E por que raios a saída dessa seria diferente? Vou explicar a razão. A ciência primeira hoje é o marketing. Por isso, muitas pessoas querem passar a imagem que o coração delas é lindo e que depois da epidemia, o mundo ficará lindo como elas. A utopia fala sempre do utópico e não do mundo real. É sempre uma projeção infantil da própria beleza narcísica de quem sonha com a utopia. Luiz Felipe Pondé – Folha de São Paulo – 13/04/2020 Por mais hedionda seja a figura de Joseph Goebbels [2] recentemente foi elevada ao status de máxima da sabedoria sua frase: “uma mentira contada muitas vezes acaba se tornando uma verdade”. É óbvio que se trata de uma armadilha, de um sofisma. No entanto, é plausível que se pense no poder dessa frase considerando como uma verdade baseando-se na receptividade do senso comum,   independentemente de cairmos no paradoxo de Eubulides ou de Epimênides [3] . H

O INFERNO E A QUARENTENA

Há uma peça para teatro escrita pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre intitulada “Huis Clos” mais conhecida entre nós pelo título “Entre Quatro Paredes” onde Sartre explora, entre outros, o tema da liberdade – tema tão caro ao pensamento desse filósofo. A peça é encenada em um apartamento que simboliza o Inferno onde três personagens interagem com a figura de um quarto – o criado. Não interessa aqui explorar a peça em todas as suas complexidades, mas de chamar a atenção para a fala do personagem Garcin que, ao fim da peça, exclama: “o Inferno são os outros”. Há quem diga – gente com repertório imensamente maior do que o meu -, que devemos entender que “os outros” não são o inferno, mas nós é que somos o inferno. [1] Esse tema traz muitas inquietações àqueles que pensam a vida de forma orgânica, não simplista. Meu palpite é que a frase de Garcin confirma para mim o que desconfio: que os outros são o inferno, porque o outro, a quem não posso me furtar da companh

PAUSA PARA OUVIR - Chopin 2

Frédéric François Chopin 01/03/1810 - 17/10/1849 Piano Concerto No.1, Movimento 2 - Largo, Romance

Tempus Fugit - Rubem Alves

O que me motivou a homenagear o "Seu" Ary imediatamente à sua morte, deve ter sido inspirado no texto que segue abaixo somado à gratidão guardada vivamente em minha alma. Não sei, mas posso ser punido por publicar crônica de autoria de Rubem Alves Tempus Fugit , Editora Paulus, 1990, mas valerá o risco. TEMPUS FUGIT Rubem Alves Eu tinha medo de dormir na casa do meu avô. Era um sobradão colonial enorme, longos corredores, escadarias, portas grossas e pesadas que rangiam, vidros coloridos nos caixilhos das janelas, pátios calçados com pedras antigas. De dia, tudo era luminoso, mas quando vinha a noite e as luzes se apagavam, tudo mergulhava no sono: pessoas, paredes, espaços. Menos o relógio. De dia, ele estava lá também. Só que era diferente. Manso, tocando o carrilhão a cada quarto de hora, ignorado pelas pessoas, absorvidas por suas rotinas. Acho que era porque durante o dia ele dormia. Seu pêndulo regular era seu coração que batia, seu ressonar e suas mús

A REDENÇÃO PELO SANGUE DE UM CAVALO

No último texto postado falei do “sangue de barata”. Desta vez, ofereço-lhes um texto o qual tive contato pelo meu filho Jonas no fim dos anos 90. A autoria é de Marco Frenette. Nele, Frenette fala do poder do sangue de um cavalo. Nota: o tamanho do texto foge do critério utilizado por mim neste espaço que é o de textos curtos para não cansar   a beleza de ninguém. CAVALOS E HOMENS Marco Frenette Revista Caros Amigos, setembro 1999. Essa short cut cabocla está há tempos cristalizada na memória coletiva de minha família, e me foi contada pela minha avó materna. Corria o ano de 1929 quando ela se casou, no interior de São Paulo, com o homem que viria a ser meu avô. Casou-se contra a vontade dos pais, que queriam para a filha alguém com posses compatíveis as da família, e não um homem calado, pobre e solitário, que vivia num casebre ladeado por uns míseros metros quadrados de terra. Minha avó, porém, que era quase uma criança a época, fez valer a força de sua personal

A QUEIMA DO "EU"

Estimado Humberto, o feliz destaque "[...] o sofrimento, atributo indissociável deste mundo, é o processo natural da desidentificação do pensamento como “Eu”". Seria o sofrimento o método que desperta o cuidado com o outro e a compreensão dos limites do "eu"? Será que esta acepção resulta em comportamentos de alguns espíritas no sentido de prestigiar o sofrimento. De outro modo, quando alguém sofre e aceita aquele sofrimento e não luta para superá-lo, isto significaria a "[...] desidentificação do pensamento como “Eu”"? Não seria importante refletir sobre a importância da "[...] desidentificação do "eu"" atrelada à compreensão da "vontade de potência" (Der Wille zur Macht - referência a Nietzsche) como ferramenta da autossuperação e da dissolução da fantasia criada do "eu" controlador? Samuel Prezado irmão Samuel, obrigado pela sua companhia. É uma honra tê-lo aqui. Sem dúvida há uma relação entre Nietzsche e

PAUSA PARA OUVIR - Rameau

Jean-Philippe Rameau 25/09/1683-12/09/1764 https://www.youtube.com/watch?v=fbd5OAAN64Y

BUSCA

Somos humanos, demasiadamente humanos [1] e nossa humanidade baseia-se na linguagem. Isso é evidente. Qualquer tipo de busca, por exemplo a “humildade”, está fadado à frustração. A busca pressupõe algo vindo da razão e esta tenta criar conceitos em tudo o que busca. A razão utiliza o artifício da comparação e os afetos não funcionam assim. Toda vez que me comparo com alguém, na verdade estou comparando algo que conheço pouco – eu mesmo, com algo que não conheço nada – o outro. Mas o conceito vem carregado de cultura, e a cultura é produto da linguagem, e a palavra é o tijolo da construção conceitual, nunca a coisa em si. Enquanto a razão busca a palavra “humildade” que é intenção, a vivência é o gesto. E sabemos, segundo Rui Guerra: há distância entre ambos. [2] . Enquanto a vida é vertiginosamente dinâmica – tudo que é agora, não será o mesmo no segundo seguinte, a palavra é a tentativa de manter-se aquilo que escapa por entre os dedos; é a esperança angustiada de eternizar-s