Albrecht Dürer - Mãos que oram
"Nascemos com as mãos fechadas e morremos com as mãos abertas"
Ditado Iídiche
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Pode
ser por causa da minha veia romântica, há muito tempo coleciono fotografias de
mãos de pessoas que passaram pelo meu caminho. Umas estão próximas, outras
distantes e ainda outras já se foram.
Lamento
não ter fotografado tantas outras que, em algum momento, impactaram a minha
história.
Como
eu já disse aqui, minha biografia é marcada por uma pintura muito mal elaborada;
contudo, pessoas muito especiais deixaram suas marcas na tela de minha
existência com tintas de cores vivas e inapagáveis. São dessas pessoas que tento
registrar as mãos.
Por
que as mãos?
Porque,
normalmente, são elas que tocamos naquele primeiro encontro. Algumas
continuam fazendo parte de nossa vida: no preparo do alimento; no afago das
horas ruins; nas massagens terapêuticas de carinho e cuidado; na ajuda em todas
as variadas situações em que somos colocados; nas situações-limite onde elas se
apresentam como porto seguro.
São
clássicas as pinturas sacras onde Jesus impõe suas mãos sobre doentes. Sempre
elas – as mãos.
Conta-se
– alguns dizem ser uma lenda - que Albrecht Dürer[1], de
família muito pobre, foi enviado pelo pai e os irmãos mais velhos para uma
escola de arte. Os irmãos continuariam no trabalho pesado para que ele pudesse
frequentar uma escola onde poderia desenvolver suas habilidades artísticas que,
desde cedo, demonstrava.
Anos mais tarde, já famoso, Albrecht decide eternizar as mãos
de um irmão, machucadas pelo trabalho duro das minas, como forma de eternizar o
seu sacrifício em favor de sua formação produzindo a gravura conhecida como “mãos
que oram”.
O poema de Mario Quintana "As mãos de meu pai" são tão comoventes que servem para qualquer tempo e qualquer pessoa
importante de nossa vida.
As mãos de meu pai
As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
– como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente
vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível
solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida – que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
Mario
Quintana
Esconderijos do Tempo
E como bônus,
segue parte final do “Monólogo das mãos” de Ghiaroni[2]:
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito
tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os
fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos
maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração para, o corpo gela e os
sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte
as funções da vida.
E as mãos dos amigos nos conduzem...
E as mãos dos coveiros nos enterram!
Giuseppe
Ghiaroni
É por essas e por outras que coleciono mãos –
aquelas que embalam, erguem, sustentam ontem, hoje e sempre.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Contudo, sem as mãos seria muito mais difícil!
[1]
Albrecht Dürer (1471-1528) Pintor, gravador,
ilustrador, matemático e teórico de arte, provavelmente o mais famoso artista
do Renascimento nórdico.
[2] Giuseppe Artidoro
Ghiaroni
(1919-2008) foi um poeta, jornalista brasileiro.
Obrigada amigo querido ❤️ por tantos ensinamentos. Amo vc e sua família, que é tão especial!
ResponderExcluirApenas uma partilha...
ResponderExcluirDas mãos caíam rezas como orvalho
Caíam rezas das mãos curvas
Sobre a aurora entrevista
No fantástico andar dos gatos.
- Manoel de Barros, no livro "Face imóvel" (1942), em 'Poesia completa: Manoel de Barros'. São Paulo: Editora Leya, 2010.