
O
que há de errado com o assistencialismo espírita apontado por você no texto
anterior “Bigornas e Doutrina Espírita?
https://espiritismosec21.blogspot.com/2023/02/caro-leitorleitora-caso-nao-queira-ler.html
Antes
de responder a essa questão é preciso dizer que o trabalho de assistência feito
pelas casas espíritas, no Brasil, resultam em benefício de grande número de
pessoas. Portanto, seu valor é indiscutível.
Para
falar do trabalho assistencial – a mais destacada atividade espírita do Brasil -
é preciso vivência com essa prática; muito cuidado para não ferir
suscetibilidades; e mais ainda, para não ser leviano.
O
problema não está no que se faz: nas condições desiguais em que vivemos
é preciso amparar, ajudar, confortar uma parcela bem grande de pessoas
necessitadas do básico. Não é esse o foco de minha discussão.
Destaco
que é uma maneira de ver e pensar e não um mandamento, um dogma, um guru de
alta performance falando. Certo?
Portanto,
peço aos fariseus de plantão que guardem suas pedras para atirarem depois. Com
isso dará tempo de escolherem as pedras mais adequadas para a execução (risos).
Combinado?
O
problema está “no como se faz” que, depois de discutirmos isso, poderemos avançar para um grau mais sutil do
tema – o de porquê se faz.
Sendo
um movimento “religioso” tido como esclarecido, o movimento espírita deveria fazer
um balanço entre o assistencialismo oferecido e o estímulo à investigação do
fenômeno espírita. Não é isso o que acontece dentro das casas espíritas.
Aqueles
que estudam e tentam aprofundar em questões ligadas ao ramo da Ciência, da
Pesquisa e da Filosofia e que não participam dos trabalhos de assistência
carregam um certo estigma. E por que isso acontece? Para muitos companheiros,
os que assim agem não observam o mandamento doutrinário fundamental - “fora da
caridade não há salvação”. Tratarei desse assunto em outra oportunidade.
É
comum encontrarmos, em centros espíritas, grupos de médiuns e “aprendizes” na
chamada “escola de médiuns” onde se exercita a mediunidade. Nessas sessões as
comunicações se dão; o fenômeno acontece, mas com a profundidade de um pires.
Reuniões cansativas e sonolentas, cheias de preces e pedidos como se fossem
muros das lamentações improvisados; linguagem cheia de trejeitos afetados;
mensagens sem nenhum interesse geral. Sempre aquele infindável ramerrão com
frases batidas, óbvias e o tratamento piegas feito aos presentes tratando-os no
diminutivo – além de ridículo, é pedante.
Nesse
ponto do meu raciocínio, chego ao que Kardec chamou de “O Consolador
Prometido”. Sim, a doutrina espírita como tem sido divulgada é, de fato, consoladora.
Entretanto, há aqui uma sutileza não observada pela maioria dos espíritas: a
doutrina espírita consola, e o consolo não é solução, é paliativo. Explico:
Caso
eu sinta uma dor intensa, aguda, muito forte, dependendo do caso, o médico
poderá indicar um medicamento – via injetável - à base de opioides. Uma vez
tomado, rapidamente esse composto químico vai produzir alívio (consolo) à minha
dor e, aí vem o perigo: a sensação de bem-estar que esses compostos produzem.
Por que perigo? Porque pode causar dependência. Existe um aumento significativo
de uso de opioides por conta dessa sensação e isso vicia.
A
prática da Doutrina Espírita pode (e deve) servir como consolo, mas deve
esclarecer que não soluciona. Assim como o poderoso analgésico tira,
momentaneamente a dor, mas não resolve a causa da dor. Da mesma maneira, o
consolo espiritual alivia as dores da alma, mas não as resolve. Contudo não é
isso que vemos nos centros espíritas.
O
que vemos é a prática da “caridade” sem o devido esclarecimento, e por conta da
ausência de uma pedagogia crítica, formam-se filas e mais filas de dependentes[1].
Todo mundo gosta de uma muletinha para o gasto, não é?
Por
exemplo: centros espíritas que propõem terapias e curas espirituais por
intermédio de médiuns.
Independentemente,
da credibilidade das pessoas que ali trabalham e o indiscutível valor dessas
casas – quando bem orientadas, a multidão não é notificada de que uma parte
dela não precisaria procurar uma terapia dessas se o sistema de saúde
funcionasse bem e que não funcionam por conta de falhas nas políticas públicas.
Uma
proposta dessa soa como blasfêmia nesses grupos. A proposta não é de acabar com
o assistencialismo tão necessário em nosso tempo, mas o de realizar uma
assistência crítica para ajudar as pessoas a saírem da condição de assistidas
dependentes, para ganharem autonomia e, por fim, ajudarem outros na mesma
situação, criando uma rede solidária.
Nessa
altura, é preciso aprofundar nas motivações de quem pratica a caridade: o
desejo compensatório de se sentir importante é uma delas. Não são poucos os que,
ao trabalharem em causas assistenciais, carregam no peito as medalhas de honra
recebidas por aquele trabalho. Um capital simbólico do qual fazem uso para
alimentar a vaidade mal confessada e serem aclamados como “bons”.
Numa
linguagem figurada: Deus olha para essa gente e ri.
É
duro pensar que até nisso Jesus enfiou um espinho na carne de nossa vaidade: a
mão esquerda não deve saber o que a direita dá. Jesus é muito chato!
Esses
generais 5 estrelas da caridade são úteis? Sim, são. Mas não conseguem aumentar
um côvado em sua estatura espiritual, como diria o Cristo[2].
O
Cristo sabia que esse “côvado” só viria à existência pela análise detida e
interessada de nossas motivações; e que não é fácil encarar-se no espelho da
alma. De novo, Jesus e sua chatice!
Essa
é minha proposta. Não é o de criticar por criticar quem trabalha na
beneficência, mas de analisar se essa beneficência seria, também, o caminho
para alcançar o patamar da benemerência.[3]
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Dúvidas, objeções, complementações, supressões serão bem-vindas.
Gostou do conteúdo? Se sim, divulgue.
[1]
Ler matéria
publicada no https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60162018#:~:text=No%20livro%20O%20Imp%C3%A9rio%20da,ferimentos%20%C3%A0%20bala%22%2C%20destaca.
É preciso dizer que a ação assistencialista sem a devida conscientização,
mantém o público assistido na ignorância e, de quebra, assim como os opioides, provoca
baixa resiliência aos problemas naturais que a vida na Terra reserva àqueles
que aqui estão. Lembra da advertência do Cristo? Tome tua cruz e siga-me...
Sugiro assistir ao documentário no disponível no Netflix com o título Prescrição Fatal.
[2]
Côvado é uma
medida utilizada no mundo antigo – aproximadamente 60 cm. A expressão é do
Cristo em Mateus 6: 27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja,
pode acrescentar um côvado à sua estatura?
[3]
A diferença
fundamental entre beneficência e benemerência é a de que beneficência
configura-se na ajuda material. É uma transição daquilo que sobra para um, para
aquilo que falta para o outro. Já a benemerência caracteriza-se pelo amor
empregado em direção de alguém seja lá quem for. Seria dividir, na escassez,
aquilo que se tem pouco com alguém que não tem nada. E é por esta razão que
Ubiratan Rosa vai dizer que Fora do amor não há salvação. Alguém dirá: mas
caridade não vem do latim “caritas” que quer dizer amor? Sim, a palavra caritas
quer dizer isso mesmo, mas nas palavras, para um filósofo como Nietzsche, a linguagem tem pouca afinidade com
a verdade A palavra é estática enquanto
a verdade é dinâmica.
Gosto muito da expressão de Mário Sérgio
Cortella que, para mim, sintetiza o pensamento de Nietzsche: a palavra “cão” não morde.
Lembrei do padre Júlio Lancelotti que diariamente oferta pães aos moradores de rua sem deixar de se posicionar pela dignidade dos invisíveis socialmente.
ResponderExcluirAjuda a quem precisa, e cobra de quem deveria prestar atendimento e não faz.
Se outras referências religiosas se unissem no mesmo ideal a realidade seria outra.
Se... se.