Figuras de um carnaval (1906)
André Derain (1880-1954)
Esse encontro aconteceu próximo do Natal de 1989 – se não me
engano.
Estava eu atravessando a Praça Barão – ponto central da
cidade de Franca, cidade localizada a Nordeste do Estado de São Paulo, quando
avistei um companheiro que frequentava o mesmo centro espírita – Templo Espírita
Vicente de Paulo.
Ele aproximou-se tão rápida quanto entusiasticamente para me
contar a novidade:
“Humberto, estou muito feliz, porque hoje completamos 400
cestas de Natal para entregar no Jardim Aeroporto III !” – disse-me ele.
Naquela época era um bairro periférico e muito pobre no qual
o Vicente de Paulo dava assistência às famílias mais necessitadas.
“Parabéns pelo belo trabalho” – retruquei.
Neste momento, fui tomado como que por um demônio – aqueles mesmos que
atormentavam o pobre Santo Antão testando o seu limite de humildade e
resignação, e lancei a seguinte proposta:
“Que tal fazermos a cesta de Carnaval nos mesmos moldes da de
Natal?” E argumentei (sempre inspirado por aquela voz demoníaca):
“Seria muito bom esperarmos os foliões, lá do Jardim
Aeroporto III, chegarem da festa cansados e tristes pelo fim da “ofegante
epidemia”.
E prossegui sem que aquela “influência” me abandonasse:
“Certamente, sem
dinheiro no bolso para suportar o dia e aguentarem mais um dia de trabalho
pesado nas esteiras das fábricas; na varredura de praças e avenidas com
montanhas de lixo deixadas pela multidão de foliões; dos fogões que os esperavam para mais
um ano de preparo de pratos que jamais experimentariam.”
“A labuta é longa e a alegria é fugaz como diz Chico Buarque
de Holanda em seu samba Vai passar[1]”
E um dia, afinal
Tinham direito a uma
Alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
“Imagine só” – continuei -, “a alegria deles em receber uma
cesta cheia de alimentos e de um bom café para recuperar as forças?”
Meu companheiro, já demonstrando grande irritação, disse: “você
está brincando, não?! Eu dar cestas para esses vagabundos que ficam 3 ou 4
dias na farra?! Bom, sim; burro, jamais!”
“Querido” – indaguei -, “mas não são os mesmos que você
distribui cestas de Natal com grande alegria e espírito de caridade?!”
Depois desse encontro, esse companheiro me evitava nas
reuniões. Perdi sua amizade por causa de uma demoníaca inspiração em distribuir
cestas de Carnaval.
E você, caro leitor, com a aproximação do Carnaval, o que
acha da ideia?
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Humberto, cestas de Natal, de Carnaval ou de dia sem celebração são necessárias sempre. No entanto, muitos se envolvem em projetos de distribuição de cestas a partir do que não lhe faz falta, logo, nem caridade há ali. Doar o que não lhe pertence, o que foi recebido por doações de terceiros é um exercício fácil.
ResponderExcluirJunto às cestas de carnaval, poderiam-se criar
ResponderExcluircarnavalescos mobilizando a coletividade em prol do entorno;
comissão de frente para capturar voluntários;
blocos de visitas aos enfermos,;
o mestre sala e a porta bandeira na parte jurídica para ajudar as pessoas obterem seus documentos;
a ala dos passistas (médiuns) em doações magnéticas aos indigentes;
as modinhas carnavalescas nos asilos;
as matinês com fantasias nos orfanatos;
os desfiles de agentes da saúde nos viadutos da cidade;
carros alegóricos com medicamentos e produtos hospitalares;
percussionistas de cabeleireiros, manicures e pedicures;
O samba enredo de que a fome é causa emergencial
e a rainha da bateria sendo a irmandade entre todos.
Aí sim seria uma festa pagã-espiritual na qual o corpo e a alma estariam gozando de saúde e de bênçãos espirituais.