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FINADOS - MAIS UM DIA PARA LEMBRAR A FINITUDE

 03/11/2022

O Beijo da Morte

Cemitério Poblenou, Barcelona - Espanha[1]

A origem do termo “finados” vem do latim “FINIS” que significa “fim”. Verbo finar = findar, morrer.

A celebração do Dia de Finados tem origem numa abadia na cidade de Cluny, França. Instaurada por Santo Odilon (962-1049).

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Ontem, foi “Dia de Finados”. Para celebrar essa data há costumes para todos os gostos. Um deles, muito estranho para nossa cultura, vem dos Torajans – Indonésia[2], que mantêm o cadáver dentro de casa e o tratam como se estivesse “doente” e não morto.

Outra maneira de lidar com a morte vem da arte tumular com suas esculturas impressionantes, como é o caso do “Beijo da Morte”, em Barcelona, Espanha. É uma obra para se sentar e admirar por um bom tempo, em silêncio.

São formas de driblar a realidade que entra pela porta da existência sem pedir licença.

Apesar dos argumentos robustos que a doutrina espírita oferece aos seus adeptos – que vão além dos dogmas religiosos – traz, em sua base, a observação dos fenômenos espíritas espontâneos e empíricos confirmatórios da existência do espírito e sua individualidade depois da morte.

Quando a morte chega, causada por uma doença terrível, dolorosa e prolongada, a chance é grande para os que ficam em aceitá-la com mais serenidade. Contudo, quando o fim chega precocemente – como no caso do rapaz homenageado pelo pai em seu túmulo em Barcelona a aceitação é mais pungente e de difícil cura.

Quanta gente já se beneficiou do conforto dado por mensagens enviadas de entes queridos desaparecidos de maneira precoce e violenta, via sonhos, ou por meio mediúnico!

Entretanto, mesmo com as ferramentas que a Doutrina Espírita oferece aos seus adeptos, ainda assim há e haverá um resíduo de incerteza diante da morte; haverá sempre uma dose não desprezível de angústia, porque segundo a narrativa bíblica da expulsão do Éden, o homem é o único bicho na Terra que sabe de sua finitude. É só ler o Gênesis capítulo 3, onde Deus expulsa o homem e a mulher por desobedecerem às ordens divinas:

19 No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.

Portanto, uma das condições desagradáveis para o ser humano é de saber que vai morrer. É essa condição que o faz um bicho carregado de uma angústia de fundo que não sara. Tomo a palavra de Nietzsche – que por outras razões vai dizer:

O homem é um animal doente porque é um animal não fixado, o mais flexível, mais mutável e mais inseguro de todos.[3]

É verdade que os espíritos dizem a Kardec uma coisa que pode trazer para nós um certo alívio; necessário, admito, mas não suficiente.

- A separação da alma e do corpo é dolorosa? Pergunta Kardec.

- Não; o corpo, frequentemente, sofre mais durante a vida que no momento da morte; neste, a alma nada sente.[4] Respondem os espíritos.

A incerteza do que ocorre conosco depois da morte é penosa para todos nós: quem garante que sabe o que vai ocorrer depois do passamento, ou é vaidoso, ou é mentiroso.

Existe um outro dado importante para se colocar nessa balança infernal: o apego. Todos nós somos, de certa maneira, apegados. E nesse ponto Krishnamurti é bastante elucidativo:

Não temos medo da morte por causa do desconhecido; temos dela medo por conta da perda do conhecido.

Millôr Fernandes demonstra sua aflição diante da morte por uma visita ao cemitério, com o seguinte Hai Kai:

Passeio aflito;

Tantos amigos

Já granito.

Difícil? Quem disse que seria fácil?


Comentários

  1. Fico com Krishnamurti admitindo a fonte de minhas angústias...
    Qdo meu pai partiu, meu dolorimento vinha do pensamento de que ele não veria mais as belezas deste lugar onde estamos...e é um pensamento que me atormenta, também, porque, apesar de termos que este é um mundo de "provas e expiações", amo viver!!!
    A doutrina espírita nos traz alento, mas...

    ResponderExcluir
  2. Quantos finados vivenciados e outros tantos infindáveis nos lembrarão da infinitude da consciência imortal!?! Não há ponto final que não se transforme em ponto e vírgula ou reticências. Até ponto de interrogação ou ainda mesmo exclamação! O arbítrio é do próprio ser espiritual.

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