29/08/2022
Insigne: que é notável por
suas obras ou feitos; destacado; famoso; ilustre.
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Motivado pela ausência (temporária) de minha companheira e inspirado
no título de uma crônica de Fernando Sabino[1]
resolvi pôr no papel mais uma de minhas experiências pessoais.
Siga comigo sem dar bola para possíveis erros de Português
que, certamente, caro leitor, você os encontrará aos montes. Peço que prenda a
atenção no conteúdo.
Minha companheira e eu não nos afastamos um do outro há muitos
anos. Temos hábitos simples. Vontade de viajarmos juntos não falta, mas há um
compromisso afetivo com dois cachorros idosos que nos acompanham há quase duas
décadas e que não permite saiamos com frequência e por mais de algumas horas.
Não preciso nem dizer que uma relação como essa, entre duas
pessoas, pode desenvolver uma espécie de simbiose estendida não como mãe-
bebê (Winnicott e outros), mas entre dois adultos; e essa relação poderá gerar
grande sofrimento psíquico pela ausência de um e outro provocada pelas inúmeras
contingências da vida, inclusive a morte.
Morbidamente costumo fazer um exercício mental no qual eu e
minha companheira nos separamos pela morte. E nesse exercício procuro observar
como será essa experiência. Sim, o verbo é “será” e não “seria”, porque a morte
é um dado da vida e não uma possibilidade.
Com esse quadro montado, passo a relatar o que pensei e senti
nesses dias de ausência de minha esposa com o fim de provocar reflexão em quem me lê.
O curioso é que, ao avançar no exercício, pergunto-me o
quanto sua ausência me fará falta e, internamente, sofro por aquele sentimento
a que Rubem Alves, sabiamente, chamava a saudade - “presença da ausência” e
fico como o ratinho branco dentro da gaiola com uma cascavel narrado por
Guimarães Rosa[2]
(risos).
Longe de mim me comparar com o Bruxo do Cosme Velho[3]
que, ao perder sua Carolina escrevera a um amigo: “foi-se a melhor parte de
minha vida.” O poema escrito por ele pela morte da esposa é pungente[4].
Nesta altura, alguém dirá: “esse pobre diabo precisa
urgentemente fazer análise!”. Tá bom. Anotado. Sigamos...
Neste
momento em que escrevo, o exercício não é mental, mas real – minha companheira
está do outro lado do Atlântico. Vejo com clareza a falta que ela me faz - não
como na crônica do Sabino que queixava-se diante do caos de seu apartamento
depois de alguns dias de férias de sua empregada. No meu caso, pela ausência de sua
presença delicada, de sua voz em conversas constantes com as plantas que
cultiva e com os passarinhos que se aproximam de seu jardim.
Essa imersão
me faz perceber o quanto há dela em mim e quão pequeno me sinto diante da
grandeza de sua presença.
À medida que
aumenta a pressão de sua falta, diminui o meu tamanho e me faz lembrar de um
velho amigo que dizia:
Quem vai
é o insigne partinte; quem fica é insigne ficante.
[1] A Falta que ela me
faz. Fernando Sabino. Editora Record. 1980.
[2] Guimarães Rosa. Ave, palavra.
[3] Foi o apelido dado pelos vizinhos a Machado de Assis,
pois teria queimado cartas em um caldeirão em sua casa que ficava na Rua Cosme
Velho. O apelido, entretanto, só pegou quando o poeta Carlos Drummond de
Andrade fez o poema "A um bruxo, com amor", que reverencia o escritor.
[4] A CAROLINA
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Muito bom refletir sobre a ausência. Ela insiste em nos perseguir.
ResponderExcluirAté hoje não havia pensado muito serio sobre essa separação, mas é uma certeza!
ResponderExcluirMais do que por no papel sua experiência (existencial?), você suscitou e traduziu em palavras o que é amar um outro ser e, ademais, ressuscitou esse nobre sentimento em muitos que já o tinham quiçá perdido mundo afora. Embora sejamos iguais em natureza, irmão, somos desiguais nessa experiência.
ResponderExcluirQue lindo....eu consigo ver vc pensando....
ResponderExcluirCheguei a ler esta sua reflexão na data que compartilhaste (08set) e me imaginei em tal vivência. Nada fácil...
ResponderExcluirSomente hoje consegui ler as referências textuais. Confesso que desconhecia o 'quarteto' literário e inteirar-me dele reforçou a admiração que tenho pela sua bagagem cultural.
Em relação a bela declaração afetiva a sua querida esposa fez-me lembrar do célebre poema "Mar Português, de Fernando Pessoa. Releia-o e 'sublime-se', meu caro! 🙃