*Texto inspirado no ensaio "A Mornidão Apocalíptica" de Ubiratan Rosa
Conheço
as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente!
Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.
Apocalipse 3:15,16
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O Google – o grande oráculo de todos nós, informa que Óscar
González-Quevedo Bruzón, mais conhecido como Padre Quevedo, foi um padre
jesuíta de origem espanhola naturalizado brasileiro desde 1960. Foi professor
universitário de Parapsicologia na UNISAL e do Centro Latino-Americano de
Parapsicologia até o ano de 2012, quando se aposentou. Nasceu em 15/12/1930 e
morreu em 09/01/2019.
Utilizava seus conhecimentos da Parapsicologia para
desmistificar e polemizar com representantes de variadas correntes religiosas:
médiuns, adivinhos, cartomantes, videntes, inclusive espíritas. Ri muito quando
assisti ao encontro do padre com Inri Cristo.
Lembro-me bem dos anátemas que o padre lançava sobre os seus
interlocutores provocando-os para o debate e a um possível vexame diante do
público que os assistia pelas rádios e canais de televisão.
Não sei se por distração ou curiosidade mórbida, eu parava
para ouvi-lo nessas ocasiões. Seu sorriso desdenhoso fazia com que os seus oponentes
fervessem de raiva. Ao ouvir os que o enfrentavam, dizia com desprezo: “isto
non equisiste” o que causava fúria em alguns dos debatentes. Padre Quevedo era
um polemista e gostava de sê-lo.
Certa ocasião, viajei com o físico e espírita Moacyr Costa de
Araújo Lima e ele me contou dos encontros que tivera com o padre e as faíscas que
saíam daqueles debates.
Nos anos 70, quando houve uma onda na procura de cursos de
Parapsicologia tanto com o padre Quevedo quanto com o Padre Albino[1],
eu residia na mesma rua do grande Hernani Guimarães Andrade[2]
que trabalhava com os fenômenos parapsicológicos em seu laboratório e que produziu
uma literatura dedicada à área de pesquisa desses fenômenos. Hoje esquecido
pelo grande público espírita. Seu trabalho fazia um contraponto aos ataques dos
padres parapsicólogos sem vontade de polemizar com eles. Hernani tinha a
elegância dos verdadeiros pesquisadores sérios. Sempre discreto e simples.
Também, naquela época eu acompanhava os debates acalorados
entre Luciano dos Anjos[3]
e José Herculano Pires[4].
Dava gosto de ver.
Enquanto Luciano defendia com ardor os Quatro Evangelhos de
Roustaing, Herculano atacava a obra com não menos veemência. Desses debates,
entre essas figuras notáveis do movimento espírita, bebíamos muita cultura,
conhecimento doutrinário, histórico, teológico, filosófico. Uma riqueza!
Hoje, o movimento espírita vive, para minha estranheza, um torpor
que rechaça a simples ideia de debater. As vezes em que quis debater sobre
temas mais espinhosos, fui fraternalmente convidado a sair. Parece que há um
horror em debater. Para mim fruto do evangelismo-cristão que tomou
conta das casas espíritas em geral.
Terá o movimento espírita se transformado naquela mornidão apontada
pelo autor do Apocalipse?
O debate civilizado enriquece porque discute-se conceitos e
preconceitos; desvela-se a dualidade em que nos enroscamos o tempo todo (ver
canção “Quereres”[5] de
Caetano Veloso); amplia-se o olhar crítico.
Esse debate a que me refiro está longe desse ruído infernal,
pobre, podre de velho, temperado com o reacionarismo de nosso tempo. Pensadores de peso do
espectro conservador, liberal ou progressista debatem com elegância e respeito
evitando a barbárie verbal; sabem que essas gralhas humanas que querem fincar
suas bandeirinhas ideológicas em todos os cantos e, se possível, eliminar seus
oponentes, não acrescentarão nada para um convívio saudável e pacífico neste
nosso mundo.
Será que teremos de assistir a uma nova extinção desses dinossauros
contemporâneos?
Como você, que me lê, pôde notar, o trecho do Apocalipse permite
inferir que frios e quentes podem coexistir (quem dera foras frio ou quente!).
O que é detestável é o morno retratado no texto como substância vomitiva,
asquerosa, intragável.
Esse jeito “limpinho” e neutro de ser de muitos espíritas, de
evitar oposição de ideias distancia-se da maneira como Kardec encarava essa
questão, publicando, frequentemente, em sua Revista Espírita, artigos de seus
oponentes sem deixar de responder aos ataques recebidos.
Puseram na cabeça que devem imitar Jesus – o Jesus das
oleografias, das pinturas sacras onde Jesus aparece com mãozinhas postas, olhar
afetado, cabelo escorrido, cabeça levemente pendida – como se estivesse tirando
uma selfie.
Esse comportamento infantil é tão indigesto que só mesmo um
bom vomitório para acalmar a alma.
Que saudade do Padre Quevedo!
[1]
Doutor e professor Dr. Frei ALBINO ARESI, foi
religioso da Ordem dos Franciscanos e cientista considerado uma das maiores
autoridades mundiais na parapsicologia
[2]
Hernani Guimarães Andrade (1913-2003) foi um
engenheiro e parapsicólogo espírita brasileiro
[3]
Luciano dos Anjos (1933-2014) foi um jornalista
e escritor. Espírita brasileiro, atuou no movimento espírita, principalmente,
como escritor divulgador da Doutrina Espírita.
[4]
José Herculano Pires (1914-1979) foi um
jornalista, filósofo, educador, escritor e tradutor brasileiro. Destacou-se
como um dos mais ativos divulgadores do espiritismo no país.
[5] Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres
família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! bruta
flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres
o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria
querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta
flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres
comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e
o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim
Caro Humberto,
ResponderExcluirRevelaste os anos idos (rsrsrs) com esse temperado texto arqueológico reverenciando grandes pensadores como o Hernani Guimarães Andrade e o Herculano Pires.
Do Quevedo não posso falar, pois era muito criança e dos outros não os conheço.
Há uma geração que segue a "cartilha" que política, religião e futebol não se discute e, felizmente, há outra que prefere o diálogo (dia = entre; logos= razão).
Deixemos os mornos encovar os mornos.
Esfriemos ou aqueçamos, sigamos!!
Padre Quevedo era um polemista com os atributos do caráter ibérico. O seu texto é de arrepiar, uma crítica pesada, mas construída com o porrete do amplo conhecimento. Me extasiei!
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