08/11/20
Há uma linha que separa o mundo dos que o entendem pela ótica
da razão daqueles que o enxergam pelas lentes da religião. E há, ainda, aqueles
que, na tentativa de entendê-lo – o mundo -, o fazem misturando essas duas
áreas. Neste último caso, há um risco do empírico se dissolver no mítico.
28/05/2022
O título desse texto não está errado e não tem a ver com os evangélicos
de corrente protestante. Tem a ver com um evangelismo rançoso que tomou conta
do movimento espírita brasileiro.
Meu comentário, da obra bastante difundida no meio espírita
intitulada “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”[1]
é superficial, porque não tenho cacife para discuti-la tanto do ponto de vista
histórico quanto literário. Muita gente com repertório maior que o meu já falou
e escreveu sobre essa obra ora elogiando-a, ora criticando-a com veemência.
O que salta aos meus olhos (que a terra há de comer) são o evidente
ufanismo dos autores, bem como a construção de uma visão de Jesus-espírito que
beira à demência. O aval da Federação Espírita Brasileira deu a ela um ar de
seriedade, respeito que a canonizou[2]
no meio espírita.
É curioso notar que alguns espíritas que criticam com muita
acidez a obra de J.B.Roustaing - o
herege – “herege” aqui no sentido irônico - defendem essa obra de Chico/Campos divulgando-a
com exaltação, pompa e circunstância. Na minha visão, essa exaltação tem algo
relacionado ao que disse Nelson Rodrigues sobre o sentimento[3]
que atravessa o brasileiro médio: a síndrome de vira-lata. Como o Brasil é posto, neste livro, na posição de cereja do bolo na evolução da
humanidade – evolução aqui no sentido de melhoramento, de certa maneira aquele afeto ruim indicado por Nelson Rodrigues é compensado pelo sentido de pertencimento de um país que liderará a redenção da humanidade. O moral do brasileiro eleva-se, mesmo à custa de alienação da realidade que o cerca.
Vale lembrar que o termo “evolução” é ambíguo:
um câncer também evolui.
A sensação que tenho é de que essa obra, ao longo do tempo,
tem ganhado grande desconfiança, apesar de gente de destaque do meio espírita comentá-la
através de palestras e estudos com o fim de confirmá-la como cânone
doutrinário.
Há, sem dúvida, um silêncio obsequioso, autoimposto, por
muitos companheiros espíritas que tecem críticas negativas ao livro; talvez, por
conta da figura inegavelmente respeitável de Francisco Cândido Xavier que
compõe a autoria do livro. Contudo, o conjunto da obra possui pontos muito
frágeis, contraditórios e comprometedores à doutrina fundada por Allan Kardec.
E, que a meu ver, merecem uma outra abordagem.
Aonde quero chegar com essa tergiversação[4]
toda?
Aí volto ao primeiro parágrafo desse texto: é problemática a
aceitação de um Jesus mítico pelo público espírita, porque põe em xeque aquilo
que os estudiosos do Espiritismo chamam de “aspecto científico” da doutrina,
evidenciando uma atrofia dessa área que lida com a realidade posta e uma
hipertrofia de um evangelismo afetado e carente. Daí o risco do empírico dissolver-se no mítico.
Os fariseus de plantão poderão encontrar, com facilidade, nas boas casas do ramo, pedras para atirar em mim. Como diria Paulo - o apóstolo, em outras palavras: com o tempo o couro engrossa e as pedras já não ferem tanto[5] (risos).
É mais fácil e mais barato simplesmente crer do que estudar
com zelo e dedicação. Sem a pretensão de ser pedante, sugiro a leitura de Sertillanges[6]).
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Autoria de Francisco
Cândido Xavier/Humberto de Campos-Espírito, publicada em 1938, com o selo da
Federação Espírita Brasileira
[2] Relativo a cânone: princípio,
regra, fundamento.
[3] O dramaturgo, jornalista, escritor Nelson Rodrigues cunhou o termo “complexo de vira-lata” na ocasião em que a seleção brasileira de futebol perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai. Apesar de a seleção brasileira ter recuperado sua autoestima nas copas seguintes, o antropólogo Roberto DaMatta diz que o viralatismo voltou. (ver https://istoe.com.br/a-volta-do-complexo-de-vira-latas/)
[4]
Rodeio,
subterfúgio.
[5] Atos: 14, 19-20.
[6] Antonin-Dalmace Sertillanges.
“A Vida Intelectual – Seu espírito, Suas
Condições, Seus Métodos”
Humberto, excelentes provocações. Começando pelo título, pela referência ao "herege" Roustaing e, principalmente, pela indicação de leitura e dedicação como condições que possam fazer ultrapassar crenças, fantasias e asneiras...
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