“Não estamos aqui para curar nossa dor, e sim para cuidar dela.”
Megan Devine
09/02/2022
Ontem, o meu cãozinho Sancho se
foi. Sua partida teve um acréscimo de estresse que foi além da perda de um ser
amado que conviveu conosco por 16 anos. Ele foi eutanasiado por conta de uma
síndrome chamada Síndrome de Disfunção Cognitiva algo equivalente ao
Alzheimer nos humanos. E aí é que é difícil tomar a decisão, porque apesar de
estar no elenco de doenças passíveis de eutanásia em animais, o Sancho
apresentava um quadro geral positivo, apesar da insuficiência cardíaca. Suas
funções cognitivas estavam muito prejudicadas. Para se ter uma ideia, dos doze
sintomas que essa doença apresenta, o Sancho apresentava onze. É uma
enfermidade que acomete, com frequência, animais com 16 anos ou mais. No caso
do Sancho, ela começou um pouco mais cedo e tornou-se severa nos últimos meses.
Havia um tratamento indicado no
seu caso? Sim, medicamentoso, porém paliativo, porque a doença é de
caráter progressivo. A dosagem para mantê-lo minimamente ativo teria de ser
aumentada a cada passo da doença, sem esperança de qualquer melhora.
Diante desse quadro, optou-se
pela eutanásia.
A morte do Sancho me trouxe
muitas reflexões de inúmeros matizes. Terei de ruminar tudo isso por algum
tempo e tentar pô-las no papel. Não por causa da morte em si. Sou alguém que
pensa a morte todos os dias livre de qualquer morbidez; portanto, estou
habituado a ouvir o seu sussurro em meus ouvidos lembrando-me de minha condição
provisória - memento mori. São as sensações do luto que devem ser vividas de forma intensa e
profunda para dar significado e substância à vida raquítica de sentido.
Portanto, não escrevo com o
objetivo de receber condolências, ou buscar consolo, mas para trazer luz ao
debate sobre o tema. A dor de quem passa por experiências desse tipo é como se
“toda alma estivesse na estreita cavidade do molar”[1].
A dor é tão grande e profunda que se torna indizível.
Uma das características do Sancho
era sua resignação e doçura. Sua morte se deu dentro da média de idade de um
animal de sua espécie. O que me levou a pensar que alguns humanos, pela sua
vileza, deveriam ter prazo de validade semelhante aos cães e estes o prazo de
validade médio dos humanos; ao menos teríamos mais fidelidade distribuída. É
claro, isso é só uma divagação; as coisas são como são.
Sua morte mostrou que estou
envelhecendo e que tenho de me acostumar com perdas. O velho, além de ter três
plurais no seu sinônimo “ancião” é, também, “uma ilha cercada de morte por
todos os lados”. C'est la vie, mon ami.
Algumas perguntas a mim dirigidas
neste momento de luto:
1) Como você está?
- Estou bem,
porém triste – faz parte do luto processo pelo qual podemos amadurecer mais. E
nesse amadurecimento entender que a tristeza e a alegria, como dizia Gibran,
saem da mesma fonte.
2) Como se sente?
- Desconfiado de
que poderia fazer mais, mas sinto que fiz o que poderia ser feito dentro de
minhas possibilidades. A desconfiança de nossos atos é sadia quando não se
carrega culpa.
3) Como o Sancho partiu?
- Partiu
tranquilo e com dignidade em meus braços; tratado por um médico carinhoso e
respeitador e solidário com os meus sentimentos.
4) O que a morte do Sancho trouxe de ensinamento?
- Trouxe aquilo
que o intelectual Carlos Heitor Cony disse numa entrevista após ter perdido sua
cachorrinha: “a morte de minha cachorra teve grande impacto em minha vida e confirmou
que o amor deles por nós é uma sagração.”
Por fim, tento grosseiramente um
haikai como forma de resumir a presença do Sancho:
Nasceu doce,
Viveu docemente,
Morreu como se anjo
fosse.
[1] Referência a Freud escrevendo sobre a libido na
doença orgânica: “A alma inteira encontra-se recolhida na estreita cavidade do
molar”, diz W. Busch sobre o poeta que sofre de dor de dente. (À guisa de
introdução ao narcisismo).
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