Versão do Pai-nosso
Do livro FÉ e AFETO –
Espiritualidade em tempos de crise
Frei Betto
Editora Vozes, 2019.
Pai-nosso que estais nos céus, e sois nossa Mãe na Terra, amorosa
orgia trinitária, criador da aurora boreal e dos olhos enamorados que
enternecem o coração, Senhor avesso ao moralismo desvirtuado e guia da trilha
peregrina das formigas do meu jardim.
Santificado seja o vosso nome gravado nos girassóis de imensos
olhos de ouro, no enlaço do abraço e no sorriso cúmplice, nas partículas
elementares e na candura da avó ao servir sopa.
Venha a nós o vosso
Reino para saciar-nos a fome de beleza e semear partilha onde há acúmulo,
alegria onde irrompeu a dor, gosto de festa onde campeia desolação.
Seja feita a vossa vontade nas sendas desgovernadas de nossos passos, nos rios
profundos de nossas intuições, no voo suave das garças e no beijo voraz dos
amantes, na respiração ofegante dos aflitos e na fúria dos ventos subvertidos
em furacões.
Assim na terra como no céu, e também no âmago da matéria escura e na garganta
abissal dos buracos negros, no grito inaudível da mulher aguilhoada e no
próximo encarado como dessemelhante, nos arsenais da hipocrisia e nos cárceres
que congelam vidas.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje, e também o vinho inebriante da
mística alucinada, a coragem de dizer não ao próprio ego e o domínio vagabundo
do tempo, o cuidado dos deserdados e o destemor dos profetas.
Perdoai as nossas ofensas e dívidas, a altivez da razão e a acidez da
língua, a cobiça desmesurada e a máscara a encobrir-nos a identidade, a
indiferença ofensiva e a reverencial bajulação, a cegueira perante o horizonte
despido de futuro e a inércia que nos impede fazê-lo melhor.
Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e aos nossos
devedores, aos que
nos esgarçam o orgulho e imprimem inveja em nossa tristeza de não possuir o bem
alheio, e a quem, indiferente à nossa suposta importância, fecha-se à
inconveniente intromissão.
E não nos deixeis cair em tentação frente ao porte suntuoso dos tigres
de nossas cavernas interiores, às serpentes atentas às nossas indecisões, aos
abutres predadores da ética.
Mas livrai-nos do mal, do desalento, da desesperança, do ego inflado e da
vanglória insensata, da dessolidariedade e da flacidez do caráter, da noite
desenluada de sonhos e da obesidade de convicções inconsúteis.
Amemos
Perfeito!
ResponderExcluirEssa oração me faz sentido! Ao falar de Vida, simplesmente...
ResponderExcluirAmemos
Enxerguei, pelo pelo radar da minha percepção, a verdade despida.da teologia da oração original, acrescida de psicologia e alusões as obras do Ser Supremo. Ou ainda um quadro de Picasso, sobre o qual só se deve admirar, pela sua beleza intrínseca.
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