*Fetiche:
Objeto que se cultua por supostamente possuir um valor mágico ou sobrenatural;
objeto com características mágicas.
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Uma maneira quase insana de utilizar o Pai-Nosso é repeti-lo como uma fórmula com a qual tenta-se burlar as leis da Natureza. Um mantra de favorecimento privilegiado. Apesar
de ter lá a sua utilidade como reforço psicológico, a contingência cega não
está nem aí para demandas particulares, e quiçá coletivas. A insanidade não
termina por aí, porque o crente acaba soltando expressões do tipo: “Se Deus
quiser; e Ele há de querer.” Quer narcisismo mais exacerbado do que esse?!
Há uma
frase atribuída a Kierkegaard[1]: “A função da oração não é
influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora”, ou seja,
a melhor maneira de orar é refletir sobre si mesmo.
Achar que a simples repetição
de palavras – e às vezes com acrescentamentos esdrúxulos, pode tirar alguém de
uma situação que segue sua sequência natural é uma presunção daquele que
considera os seus pedidos e suas demandas uma prioridade divina. Isso é só o
começo da ampliação de uma mistura de paranoia, ansiedade e medo regada à uma
postura infantilizada que suplica proteção onde não há nenhuma. No mundo em que
vivemos não existe almoço grátis. Já dizia Darwin[2] é um struggle for life
(luta pela sobrevivência. Aqui utilizo a expressão “sobrevivência” no seu
sentido ampliado). Nessa imaturidade, não raro, desembocam quadros
psicopatológicos mais graves, de difícil tratamento, que requerem tarja preta.
Não precisa nem dizer que esse comportamento vem de longe, mas nos últimos tempos tem se acentuado pelo narcisismo onipresente (Bauman[3]) e a obrigação de se ter sucesso e prosperidade, de preferência o tempo todo. Sabemos que nem sempre, quase sempre, não é assim: na topografia de nossa existência há terrenos escarpados, quedas bruscas, vales, planaltos, às vezes, abismos etc. Essas situações é que dão conteúdo e substância à alma e não o seu contrário. Muita gente acha Nietzsche indigesto em seu aforismo: “Aquilo que não me mata só me fortalece”[4]. Só alcançamos a antifragilidade (Nassim Taleb[5]) experimentando todas essas situações adversas, sem fugas (Byung Chul Han[6]) sem pedidos aos céus, quase sempre intempestivos.
É no fracasso que vamos nos
conhecendo. Conhecendo os nossos limites, nossas carências, nossos desejos,
enfim nossa alma. Dificilmente, creio eu, haverá um profundo conhecimento de si
apenas com felicidade e gozo. Essa história de gerenciar a vida por lançamentos
em uma planilha do Excel cheia de ferramentas de controle, validação de dados,
verificação automática de erros, macros maravilhosos, tende a burocratizar a
vida com um bônus carregado de muita frustração. De novo, a vida não cabe numa
planilha como desejaríamos que fosse. Desastres naturais acontecem, e quando
não, a geopolítica nos ameaça constantemente e faz o papel deles de maneira
eficiente.
Isso não quer dizer, de forma
nenhuma, que não devemos buscar prazer e alegria. Claro que devemos. O problema
está na forma como os buscamos: se de maneira ingênua, pretensiosa e interesseira
querendo pôr o Universo conspirando a nosso favor vai “dar ruim”. Isso é coisa
de autoajuda de baixíssima qualidade e de gente que tem pouco repertório.
Alguém poderá gritar: “mas
Jesus não pediu a Deus que nos livrasse do mal?”.
Sim, pediu. Cabem muitas
interpretações do que é o mal. Para mim, trata-se da ignorância. Então, para
mim, Jesus pedia a Deus: livra-nos da ignorância. Porque cheios de
ignorância, e principalmente ignorantes de nossa ignorância os males imbricam à
nossa existência e não haverá mantras, preces, despachos, novenas que darão
conta do recado.
Esse alguém ainda insiste: “e
o que você me diz do capítulo de O Evangelho Segundo o Espiritismo[7] que tem como título ‘pedi
e obtereis’?”
Retomando algo já citado nesse
espaço, da sabedoria judaica, “cuidado com que pedes a Deus, porque poderás ser
atendido”. Segundo essa advertência, Deus poderá te atender para te testar e, dada a condição humana, há uma boa chance de você não passar no teste. Dependendo do que você pedir, você não obterá nada até que o último
buraco negro engula a última estrela[8].
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Søren
Aabye Kierkegaard foi um filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês
(1813-1855). Tido como o pai do Existencialismo.
[2]
Charles Darwin, A Origem das Espécies, Martin Claret
[3] Zygmunt
Bauman, Modernidade Líquida, Zahar Editora
[4] Friederich
Nietzsche, Crepúsculo dos Deuses, Cia das Letras
[5]
Nassim Nicholas Taleb, Anti-Frágil, Editora Objetiva
[6]
Byung Chul Han, Sociedade Paliativa, Editora Vozes
[7]
Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XXVII, FEB Editora
[8] Buracos negros são regiões do Universo que, por conta de sua massa, tão compactada que não pode ser vista, atrai todo tipo de matéria – estrelas, por exemplo e até ondas eletromagnéticas não conseguem escapar de sua atração gravitacional. Só para ilustrar, a Via Láctea possui, em seu miolo, um buraco negro que recebeu o simpático nome de Sagitário A*.
Enquanto o ser olha para fora dorme nas suas potencialidades.
ResponderExcluirHá de despertar e se desvencilhar das convenções sociais e místicas.
Quando olhar para si e, no autoconhecimento, des-cobrir-se centelha divina então tornar-se-á "livre".
Sem rituais e grilhões conscienciais.