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ESPIRITISMO NÃO É PARA AMADORES

 

Definitivamente, o Espiritismo não é para amadores.

Mas há, em algum lugar, uma forma mais palatável de entender o Espiritismo?

Sim, há; basta frequentar um curso em centros espíritas tradicionais que ensinarão o Espiritismo cristão-evangélico onde apresentam as regras de como viver com o fim de alcançar a glória da salvação. Basta seguir aqueles cânones para alcançar o resultado desejado. É como uma certificação ISO de espiritualidade. Uma forma burocratizada de desenvolvimento espiritual.

Mas há, também, um outro modo de ver o Espiritismo; um que não é muito saboroso - pelo menos inicialmente, e que exige muita dedicação e profundidade; um que vai mexer com todas as fibras do ser; um que vai fazer você pensar a vida de forma mais espontânea, menos programada; uma que vai exigir responsabilidade pessoal, coragem e trabalho; uma que irá te convidar a atravessar o deserto sem autopiedade, sem resignação – porque não permitirá fechar os olhos para a realidade; um que fará você transvalorar senão todos, pelos menos uma grande parte dos valores estabelecidos.

E isso começa com a compreensão de que o Espiritismo é como a Verdade que é de todos e de ninguém. O que isto significa? Significa que o Espiritismo não cabe dentro de uma moral específica, dentro de uma única corrente de pensamento, que não pertence a uma determinada cultura. Ele é universal. Sim, universal de Universo, ou Multiverso, como você quiser. E este é o desafio de quem quer entender o Espiritismo.

Kardec optou em atrelar o Espiritismo à moral cristã. Kardec como bom pedagogo fatiou o Espiritismo para ficar mais popular, menos aristocrático. Contudo, temos de entender que Kardec foi um iniciador, um descobridor e não a descoberta. A descoberta (leia-se o Espiritismo) é muitíssimo maior que as concepções dadas pelo seu descobridor; quem assim não pensa, o faz por insegurança, por negar-se a encarar o abismo cósmico em que estamos todos mergulhados sem qualquer rota de fuga. Esse é outro desafio, ver a vida como ela é, e não como deveria ser.

Quem quiser estudar o Espiritismo, terá de encarar o imponderável o tempo todo. Não há limite, não há palavra final, não há certezas. Assim como a boa Ciência e a boa Filosofia, tudo é provisório e importante; cada dia é uma descoberta, um mundo novo que se abre, uma nova perspectiva as quais trarão a necessidade de abandono de crenças, certezas – e aí está o desafio. Terá de encarar uma fieira de espantos. Essa dinâmica, naturalmente, causará tonturas o que implica em conviver, constantemente, com a vertigem.

Se você quiser experimentar essa vertigem, basta olhar para Andrômeda, nossa galáxia vizinha. “Vizinha” que fica a apenas 2 milhões, quinhentos e trinta e sete mil anos-luz daqui (sua luz viaja à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo e demora 2.537.000 anos para chegar até a nossa retina). Enquanto a Via Láctea, a qual pertencemos, possui 200 a 400 bilhões de estrelas, calcula-se que Andrômeda possua 1 trilhão de estrelas. Vale dizer que Andrômeda e a Via Láctea são exemplos de bilhões de outras galáxias espalhadas pelo Universo conhecido.

Estudar Espiritismo é, também, perceber o quanto somos pequenos e insignificantes em termos astronômicos.

Por essas e por outras razões o Espiritismo não é para amadores.

Difícil? Quem disse que seria fácil?

 

Comentários

  1. Humberto, a possibilidade e limites do conhecimento, qualquer que seja ele, evidenciam a nossa condição limitada de acesso a ele. Kant buscou compreender os limites da razão na Crítica da Razão Pura. De fato, a nossa condição humana é limitada demais perante questões humanas e do cosmos. Sabemos muito pouco sobre nós mesmos. Sobre as galáxias então, nada sabemos. Sobre o Espiritismo, nada sei também.

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  2. Humberto, eu imaginei que o Espiritismo deveria ser o mais democrático possível (e menos aristocrático), mas pelo que inferi do seu texto ele é mais profundo do que a capacidade de um amador compreendê-lo na sua dimensão plena. Portanto, me considerando um daqueles amadores, penso que ele deveria ser mais exotérico e menos esotérico. Ou não entendi a sua reflexão? Abraço, irmão.

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  3. O espiritismo como doutrina, decodificado por Kardec trouxe à nossa pequenez espiritual uma visão mais atualizada , por meio de uma forma mais racional de entendê-lo.
    A palavra de CRISTO , trazida para um vocabulário atual com interpretações para os espíritos mais evoluídos que a partir das informações do
    Espírito da Verdade, nos fez entender através das revelações que; foi nos permitido ter um conhecimento mais racional sobre a doutrina, e que a moral cristã foi um dos caminhos apresentados.
    É chegada a hora de maiores revelações pois a espiritualidade está cada vez mais forte no seio da humanidade e então nos será permitido a compreensão maior da mudança que se faz ao novo tempo de Regeneração de nosso planeta e daqueles que foram preparados para esse momento.
    Talvez tenhamos a graça de entender a nossa insignificância neste Universo maravilhoso , onde outros povos mais evoluídos nos assistem nessa transição.

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