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CATARSE NOSSA DE CADA DIA

 

Catarse* nossa de cada dia

*Catarse pode assumir o sentido de “purgação”, “purificação”, “libertação”. É termo utilizado na Medicina, na Arte, na Psicologia etc.

Em Psicanálise, em linhas gerais, o termo significa o processo pelo qual a pessoa supera traumas e sentimentos negativos.

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Crônica se lê devagar, com calma. Não saia em velocidade. Crônica é deleite, lentidão, reflexão. Uma das intenções do cronista é dar alegria, prazer. Karnal, historiador, filósofo, professor, parece simples, mas resvala pela erudição sem ser aborrecido, impertinente e, mais que tudo, sem querer humilhar, “veja o tanto que sei”. (o destaque é meu).

                                Karnal, Leandro. A coragem da esperança. Planeta. Edição do Kindle.

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Congelei ao ler o prefácio, escrito por Ignácio de Loyola Brandão, do novo livro de crônicas do Karnal “A coragem da Esperança”.

Brandão me fez visitar algo que já tivera contato: o risco de escrever de forma pomposa, arrogante e com o fim de demonstrar erudição e acabar não sendo lido, e pior, não sendo sentido. Todo texto deve tocar a alma do leitor; caso contrário é letra morta.

Foi como tomar aquelas injeções dolorosas de nossa infância, só que agora no músculo do orgulho. Soco no estômago da vaidade. E sei muito bem que os orgulhosos têm lugar de honra no inferno descrito por Dante.

Não é empobrecer o argumento; não é deixar de fazer citações de autores e frases interessantes que, dependendo da maneira como são colocadas, trazem luz e entendimento; não! Mas a mediocridade que subjaz naquele que quer se apresentar como alguém que possui erudição. Normalmente, esse está inseguro do seu próprio saber, ou, na pior das hipóteses quer mostrar aquilo que não é.

Deduzo que a verdadeira erudição está em simplificar a vida; em tocar os corações sem frases de efeito – muitas vezes repugnantes para quem busca sínteses, nada de extensas e cansativas análises. Minimalismo existencial, essencialismo verbal, fala dietética, comunicação frugal sem ser raso. Sabedoria é ser simples e profundo ao mesmo tempo.

Reclamo, evocando Lacan: talvez as pessoas ouçam outra coisa daquilo que eu queria dizer, mas isso é uma forma de me autoafirmar; e dizer que sou incompreendido porque sou mais inteligente, mais culto, mais isso e aquilo. Afeto narcísico? Pode ser; talvez efeito das sequelas de minha beatlemania passada que se transformou em recalque (risos).

Coitadismo, vitimismo de minha parte? Estou carente, quero cafuné? Acho que não. É efeito catártico do prefácio do Loyola Brandão na veia. Simples assim.

Fora da catarse não há salvação.

Comentários

  1. Li (2021), reli (2022) e em ambas as vezes não considero a sua escrita nem pomposa muito menos arrogante, pelo contrário é clara e inteligível com uma pitada leve de humor!! Prossiga com as catarses costumeiras!

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