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CRISES - Perguntas

No texto “Crises”

https://espiritismosec21.blogspot.com/2020/10/crises.html

você fala em colocar leveza na existência. Há alguma possibilidade de, neste mundo, ter uma vida mais leve?

Sim há, mas é para poucos, muito poucos; são os poucos que amam verdadeiramente.

Aqueles que amam sem oferecer resistência, como diria o Cristo (Mateus 5:39)[1], vivem com leveza porque neles não há cobrança interna nem para amar e nem para serem amados. Mas como eu disse, isso é para poucos.

Você sabe como é amar desse modo?

Claro que não sei (risos). Os que como eu - pessoas comuns -, em determinadas situações sentem, uma vez ou outra, é a brisa do amor afagar a face e o coração...

O amor é raro entre nós. E por ser raro é belo. E essa beleza pode salvar o mundo.

No caso das pessoas comuns a que você se refere, como saber se estão sendo “visitados” por essa beleza do amor se elas não a conhecem?

Utilizando-se de ferramenta como a utilizada por Paulo ao se referir a si mesmo em carta aos Coríntios (2ª carta, 12:10):

Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte.


Ou seja, o sentimento de alívio causado pela presença do amor - mesmo que por uma fração de segundo - alivia o peso do ódio, do rancor, da disputa insana e do desejo de vingança – essa é a medida em que podemos avaliar o amor. O amor é estranho para a maioria de nós, enquanto a rinha, a obsessão pela derrota do outro são bem conhecidos e frequentes. O simples reconhecimento desses afetos destrutivos - sem juízos morais: condenações e justificativas -, é o caminho para o seu enfraquecimento, de sua anulação ou de sua desativação.

Há um caminho para a conversão desses afetos negativos?

Creio que sim. Pela via do autoconhecimento que passa necessariamente pelo interesse constante na observação desses afetos em movimento dentro nós. O que não é tarefa fácil uma vez que nem sempre somos senhores de nossos sentimentos.

O autoconhecimento seria uma meta?

Não. Seria um processo. Aquilo que se processa, que escoa enquanto se vive. Não se trata de um ponto fixo no qual tenho de chegar. À medida que se avança surge o percebimento. O processo é o caminho. Nessa dinâmica três coisas são necessárias: interesse por si, coragem de estar consigo mesmo e inteligência.

Numa linguagem bem pragmática: que resultados esperar dessa postura?

Para pessoas que amam dessa forma, a vida torna-se mais leve e a morte lhes é serena ao contrário do que diz o poeta Augusto dos Anjos em seus “Versos de Amor” sobre aqueles que não amam:

Para que, enfim, chegando à última calma
Meu podre coração roto não role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d'alma!

Mas sendo tão difícil amar verdadeiramente, como apontado por você, o que fazer com a nossa natureza agressiva e, não raro, descontrolada?

Boa pergunta. A resposta não é fácil de ser dada; neste caso, apelo para Ubiratan Rosa que diz: “incapaz de amar ao próximo, o homem pode ao menos respeitá-lo.”

 

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.

 


Comentários

  1. Num certo momento, menciona que sentimos a "faísca do amor" quando aliviamos o peso do ódio, do rancor, do desejo de vingança etc. Não seria mais adequado a esse sentimento derivar não do alívio, mas da anulação? De resto, sua performance foi de forma invejável. Abraço, meu fraterno irmão.

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  2. Aqui eu vejo quão impossível é "amai aos outros como a ti mesmo". Ou não?

    ResponderExcluir
  3. Temos mais perguntas do que respostas diante das crises.

    Saiamos delas crescidos.
    Oxalá!

    ResponderExcluir

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