Caro irmão Humberto, em outro e-mail sobre
resiliência citei que isso é um exercício de santidade. Você confirma? Outra
coisa: não entendo o que significam "sombras". Pode me
elucidar? É possível mensurar se o meu "desenvolvimento da resiliência"
decorre das "inúmeras experiências reencarnatórias" e não de
"cursos", "leituras", "palestras" etc?
Abraço fraterno
Auri
Para entendermos o que seja
"santidade" é bom que saibamos o que isso significa. Peço licença
para divagar sobre esse assunto:
Ubiratan Rosa nos informa o
seguinte: a palavra "santo" ou "são" vem do grego ágios ou
do hebraico kadosh, ambas significando "separado".
E o que é "separado"? É
aquele que se curou dos males da alma e do corpo (lembra do princípio Mens sana
in corpore sano - uma mente sã num corpo são?) e que, por conta disso,
separou-se dos demais, ainda doentes (do corpo e da alma).
No Cristianismo, a conotação de
santidade faz menção à sanidade espiritual independentemente de o corpo estar
coalhado de feridas. Inclusive, estas feridas servem de meio para a salvação,
porque - acreditam os cristãos - o sofrimento bem sofrido e suportado é caminho
para a santidade: daí os cristãos irem para a arena de leões, nos circos
romanos, cantando glórias e sem medo do sofrimento.
Essa ideia de purificação da alma
por intermédio do sofrimento marca, fortemente, a Igreja cristã desde seu
início. Haja vista que, Madre Teresa deixou um intelectual inglês, que a visitara
no hospital mantido por ela na Índia, tão perturbado que ele fez um
documentário e a chamou de “Anjo do Inferno” referindo-se à madre. Seu nome
Christopher Hitchens.
A repetição da chamada “Paixão de
Cristo” é um exemplo mais chocante e probatório da ideia da iluminação,
salvação ou santificação pelo caminho da dor.
O Espiritismo brasileiro também
comprou esse dolorismo começando pela aclamada biografia de Chico Xavier que
tivera de lamber feridas de um primo para curá-lo de um ferimento na perna. Este
exemplo é, lamentavelmente, utilizado para erguer o moral de pessoas
fragilizadas: “se o Chico lambera feridas, por que você acha que não pode
sofrer um pouco?” – argumento, a meu ver, asqueroso, retrógrado e
obscurantista.
Salvo engano, pelo que já estudei
sobre Cristianismo e Budismo ambos buscam caminhos opostos: enquanto no
Cristianismo o crente vê no sofrimento uma forma de salvação chegando ao ponto
de, equivocadamente, cultivá-lo (veja, por exemplo, o caso da autoflagelação de
monges na idade média); o budista busca livrar-se do sofrimento pela
iluminação. É por isso que Nietzsche era mais simpático ao Budismo do que ao
Cristianismo. Ele dizia que o Cristianismo era uma religião de fracos.
Quanto às sombras, utilizei-a
baseado na psicologia de Jung[1]
na qual - argumentava ele, seria a parte desconhecida da mente equivalente ao
“inconsciente” freudiano, mas necessário para dar conta dos traumas, dos dados
psicológicos que todos trazemos e, comumente, são bastante desagradáveis; tão desagradáveis
que não poderíamos viver na consciência plena deles – a vida seria insuportável
se assim fosse.[2]
Contudo, nesse plano estariam, também, os chamados arquétipos, os dados
coletivos nos quais nos servem de defesa. Portanto, conhecer as sombras seria
uma forma de autoconhecimento, natural, sem forçamentos, sem desejos de
mudança. As sombras se dissipam simplesmente pela sua descoberta e seu
funcionamento dentro de nós. Esse conhecer-se amplia-se na passagem dos
milênios de numerosíssimas experiências pelas quais o espírito passa e
passará. Daí a importância (atual) da advertência do Templo de Delfos:
“conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os deuses.”
Nenhuma virtude pode ser
mensurada. Qualquer tentativa de medi-la será puro exercício de vaidade. Caso eu soubesse
qual é o tamanho de minha humildade, por exemplo, isso já não seria humildade,
mas orgulho.
Cursos, leituras, palestras podem
servir de subsídios para o engrandecimento da alma (ver A Vida Intelectual de
A.D. Sertillanges, por exemplo), mas esses elementos não são a virtude em si,
que só vem à existência pela prática, pela ação constante no bem; bem este
despojado de arrogância e autopromoção de um suposto saber.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Carl Gustav Jung,
criador da Psicologia Analítica.
[2] Indico o livro “Ao
Encontro da Sombra” com organização de Connie Zweig e Jeremiah Abrams, Cultrix.
Caro Humberto, suas respostas às indagações são cheias de sentido para mim! Pensei em “Nenhuma virtude pode ser mensurada. Qualquer tentativa de medi-la será pura vaidade.”, que a mensuração implica em discriminar, estabelecer padrões, julgamentos e a dissociação de si e a coisa observada, neste caso a virtude. Abraço Mônica.
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