A crítica e a autocrítica
podem funcionar como uma faca. A faca pode ser utilizada para cortar o pão que
será distribuído com aqueles que têm fome; ou pode servir de arma para ferir e
até matar.
O instrumento em si não é bom
nem mau. É a intenção de quem o usa que faz a diferença.
Tenho dito neste espaço que há
uma evidente falta de autocrítica por boa parte do staff[1]
espírita tanto na forma quanto no conteúdo de temas relacionados à Doutrina.
Esse comportamento tem origem na
maneira como se “ensina” o Espiritismo e nas características desenvolvidas, ao
longo do tempo, por aqueles que militam nas fileiras doutrinárias de nosso
país.
Evidentemente, qualquer ideia nascida
numa determinada região do planeta poderá sofrer (às vezes deve sofrer)
adaptações à cultura e ao modo de vida aonde essa ideia for levada. É óbvio que
não estou falando de conceitos universais. Essa espécie de “contaminação” –
essa palavra é perigosa, porque muito estimada pelos fariseus de plantão - a
que chamo de princípios adaptados devem ir até o limite do razoável.
“Tudo isso é vago” (o que seria o
limite do razoável?) diria alguém mais cuidadoso da língua. Vou tentar explicar
com um exemplo concreto:
O polêmico especial de fim de ano
“A Primeira Tentação de Cristo”[2]
do grupo Porta dos Fundos causou uma forte reação nos cristãos brasileiros acompanhada
da solidariedade de grupos não cristãos.
Só para contextualizar, a
Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, no último dia 13, protocolou uma
ação criminal junto ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro. O ruído causado
pelo especial rendeu várias ações na justiça; o jornal Folha de São Paulo, em
sua edição de 20 de dezembro último, informa que foram sete ações movidas contra
os humoristas até aquela data.
Resumo da ópera: depois da
decisão de um desembargador de tirar a peça humorística do ar, o presidente do
Supremo Tribunal Federal suspendeu a censura imposta pelo desembargador e a Netflix
detentora dos direitos de exibição voltou a exibi-la.
Nesse vai e vem o que sobra?
Sobra algumas observações feitas
por mim a respeito do mainstream[3]
cristão onde vi reações bastante assertivas – chegando a ser contundentes como,
por exemplo, um pastor famoso perguntar “quando o Porta dos Fundos faria um
especial esculhambando Maomé como o fez com Jesus, em clara referência ao
trágico episódio do Charlie Hebdo.[4]
– provocação nada cristã, mas que põe em xeque o caráter dos produtores do
especial; ou alguns que relativizaram, mornamente, as críticas ao conteúdo no
mínimo indigesto do vídeo; ou, por fim, espíritas que se manifestaram de forma
infantil e desastrosa. Esses últimos trouxeram um gosto amargo em minha boca exatamente
porque ridicularizam o movimento espírita feito de gente séria e honesta.
Faltou autocrítica a esses monges espíritas inspirados em Torquemada.[5]
Toda essa gente que, ao arrepio da
fé e, simulando autoridade, dá audiência ao desrespeito com argumentos tirados da
mitologia cristã-espírita deveria lembrar da máxima popular: “em boca fechada
não entra mosca” – aquela mosca azul apontada por Machado.[6]
Nota: Não assisti ao especial do
Porta dos Fundos e, talvez, não irei assisti-lo; não porque o meu
superego[7]
me proíba, mas porque tenho mais o que fazer. Segundo os ensinamentos dos
espíritos, a liberdade é sagrada.
[1]
O conjunto das pessoas que compõem
o quadro de uma instituição, empresa etc.; pessoal.
[2] O título da peça de
humor faz uma referência ao filme “A Última Tentação de Cristo”, lançado em
1988, pelo diretor de cinema Martin
Scorcese o qual ganhou o Oscar de melhor diretor.
[3]
Em
português, mainstream designa
um grupo, estilo ou movimento com características dominantes.
[4] Referência ao massacre
do Charlie Hebdo. Atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês
Charlie Hebdo em 7 de janeiro de 2015, em Paris, resultando em doze pessoas
mortas e cinco feridas gravemente.
[5] Tomás de Torquemada (1420-1498)
ou O Grande Inquisidor foi o inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão no
século XV. Torquemada é conhecido por sua campanha contra os judeus e
muçulmanos convertidos da Espanha.
[6] Referência ao poema
de Machado de Assis “A Mosca Azul”.
[7]
Superego é o aspecto moral da
personalidade do indivíduo, de acordo com a Teoria da Psicanálise de Sigmund
Freud. O superego é responsável por “domar” o Id, ou seja, reprimir
os instintos primitivos com base nos valores morais e culturais.
A falta de um pensamento filosófico no movimento espírita é triste e impressionante. É até difícil se dizer espírita nesse movimento. Mas continuemos em frente, estudando sempre! Abraço!
ResponderExcluirE a seu ver, humberto, qual foi a intenção do Porta dos Fundos"?
ResponderExcluirAinda não assisti...(penso a censura de forma diferente...pois acho q assiste quem quer...), afinal, está restrito a um canal pago...
Gostaria da sua opinião...