Se você nunca foi rico, como sabe que o rico
"vive melhor"?
Ele pode ostentar fausto e pompa, mas este luxo não
é garantia de vida melhor (aceitando-se, por um momento breve, a estupidez da
comparação).
"Ele come melhor, bebe melhor, mora melhor,
dorme melhor que o pobre. Isto não é inegável?"
É inegável. Mas ele pensa melhor, sente melhor, ama
melhor? (1)
A vida é um processo global. Toda hipertrofia é uma
fragmentação, e toda fragmentação, conflito.
"O que se entende por hipertrofia?"
Um inchaço, uma exageração, ou exacerbação, uma
expansão em determinado sentido, em sentido unilateral. Se levo a vida rezando,
em detrimento de tudo o mais, fragmentei-me na devoção, nela me hipertrofiei;
há os que se fragmentam no trabalho, na bebida, no sexo. A hipertrofia de uma
parte causa a atrofia do todo. Muito rico, ou muito pobre, o sujeito embota-se,
perde a sensibilidade quanto ao todo. Mas se a si mesmo conhece, anula o
conceito de riqueza e pobreza, e liberta-se. Por isso dissemos que lhe cumpre
conhecer o seu "estado de pobreza", sem estabelecer comparações
inoportunas ( ou só comparações, que inoportunas todas elas são).
Seria insensatez, você estaria comparando uma coisa
que presume conhecer (mas da qual sabe
apenas pelos seus efeitos), com outra de que apenas tem uma ideia, uma
noção, e, portanto, desconhece
absolutamente.
O importante não é desejar a riqueza, mas conhecer a
pobreza, porque esta é a sua realidade, aquela é só um ideal, uma ilusão, uma
"valorização habitual": você a valoriza porque habitualmente os
outros a valorizam, porque, antes de você, seus ancestrais a valorizaram.
Ela não tem um valor "em-si", como também
não o tem a pobreza. Socialmente, você é pobre. Conheça-se na pobreza, tanto
quanto o rico deve conhecer-se, a si mesmo, na riqueza, sem fazer comparações
de sua riqueza, da qual poderá estar enjoado, com a pobreza de quem quer que
seja.
Como vê, o pobre que quer ser rico não objetiva
nenhuma novidade, nem o rico que eventualmente queira ser pobre para evitar as
agruras da riqueza. Rico ou pobre, sábio ou ignaro, feio ou belo, empenhe-se o
sujeito em se conhecer como é - isto é novação intransitiva, totalmente diversa
da "busca" de coisa alguma.
O desconhecido - Sempre que eu busco, o que encontro
é invariavelmente o conhecido, real ou conceitual, porque o buscar é uma ação
positiva, na direção de um objeto material ou ideal que desejo. Busco a posse
de um automóvel, porque sei o que são automóveis, e busco o céu ou a
felicidade, porque tenho conceitos sobre uma coisa e outra.
A busca do estritamente material, independentemente
do conceito que lhe poderei atribuir (o automóvel do exemplo acima é um objeto
útil - leva-me à cidade, é uma condução; mas poderei reduzi-lo a um conceito de
status econômico-social - eu é que o levo à cidade, é uma ostentação), essa
busca é inofensiva, decorrência natural do trabalho.
Se lhe atribuo um conceito, a busca é já ofensiva ou
nociva, tanto quanto a busca do céu ou da felicidade ideais, quer dizer,
"ideadas", imaginadas por mim.
O conceito que atribuo ao automóvel, bem assim os
conceitos que tenho de céu ou de felicidade, e todos os demais conceitos pelos
quais venho norteando minha vida, são, globalmente, o conhecido.
Continuo aprendendo. E com grande prazer!
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