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ANO NOVO, VIDA VELHA por Ubiratan Rosa [parte 2]



Se você nunca foi rico, como sabe que o rico "vive melhor"?

Ele pode ostentar fausto e pompa, mas este luxo não é garantia de vida melhor (aceitando-se, por um momento breve, a estupidez da comparação).

"Ele come melhor, bebe melhor, mora melhor, dorme melhor que o pobre. Isto não é inegável?"

É inegável. Mas ele pensa melhor, sente melhor, ama melhor? (1)
A vida é um processo global. Toda hipertrofia é uma fragmentação, e toda fragmentação, conflito.

"O que se entende por hipertrofia?"

Um inchaço, uma exageração, ou exacerbação, uma expansão em determinado sentido, em sentido unilateral. Se levo a vida rezando, em detrimento de tudo o mais, fragmentei-me na devoção, nela me hipertrofiei; há os que se fragmentam no trabalho, na bebida, no sexo. A hipertrofia de uma parte causa a atrofia do todo. Muito rico, ou muito pobre, o sujeito embota-se, perde a sensibilidade quanto ao todo. Mas se a si mesmo conhece, anula o conceito de riqueza e pobreza, e liberta-se. Por isso dissemos que lhe cumpre conhecer o seu "estado de pobreza", sem estabelecer comparações inoportunas ( ou só comparações, que inoportunas todas elas são).

Seria insensatez, você estaria comparando uma coisa que presume conhecer (mas da qual  sabe apenas pelos seus efeitos), com outra de que apenas tem uma ideia, uma noção,         e, portanto, desconhece absolutamente.

O importante não é desejar a riqueza, mas conhecer a pobreza, porque esta é a sua realidade, aquela é só um ideal, uma ilusão, uma "valorização habitual": você a valoriza porque habitualmente os outros a valorizam, porque, antes de você, seus ancestrais a valorizaram.

Ela não tem um valor "em-si", como também não o tem a pobreza. Socialmente, você é pobre. Conheça-se na pobreza, tanto quanto o rico deve conhecer-se, a si mesmo, na riqueza, sem fazer comparações de sua riqueza, da qual poderá estar enjoado, com a pobreza de quem quer que seja.
Como vê, o pobre que quer ser rico não objetiva nenhuma novidade, nem o rico que eventualmente queira ser pobre para evitar as agruras da riqueza. Rico ou pobre, sábio ou ignaro, feio ou belo, empenhe-se o sujeito em se conhecer como é - isto é novação intransitiva, totalmente diversa da "busca" de coisa alguma.

O desconhecido - Sempre que eu busco, o que encontro é invariavelmente o conhecido, real ou conceitual, porque o buscar é uma ação positiva, na direção de um objeto material ou ideal que desejo. Busco a posse de um automóvel, porque sei o que são automóveis, e busco o céu ou a felicidade, porque tenho conceitos sobre uma coisa e outra.

A busca do estritamente material, independentemente do conceito que lhe poderei atribuir (o automóvel do exemplo acima é um objeto útil - leva-me à cidade, é uma condução; mas poderei reduzi-lo a um conceito de status econômico-social - eu é que o levo à cidade, é uma ostentação), essa busca é inofensiva, decorrência natural do trabalho.

Se lhe atribuo um conceito, a busca é já ofensiva ou nociva, tanto quanto a busca do céu ou da felicidade ideais, quer dizer, "ideadas", imaginadas por mim.

O conceito que atribuo ao automóvel, bem assim os conceitos que tenho de céu ou de felicidade, e todos os demais conceitos pelos quais venho norteando minha vida, são, globalmente, o conhecido.

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