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EM DEFESA DE JUDAS


A tradição cristã católica aponta Judas como traidor de Jesus.

No sábado de aleluia costuma-se lembrar dessa traição incitando o ódio nas crianças por esse personagem obscuro coberto pela poeira do tempo com a chamada “malhação de Judas”.

Modernamente, costuma-se fazer referência a alguma personalidade contemporânea abominada pelo público colocando seu nome no boneco que será malhado em ruas e praças. Ritual acompanhado por bombas que amedrontam os pobres animais que pagam caro pela estupidez humana.
Desde menino sou avesso a essa prática. Acho de um atraso e de um mau gosto sem limites.

Mas Judas foi, de certa maneira, impelido pelo próprio mestre a traí-lo. Vejamos esse trecho da narrativa evangélica:

Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair. Então os discípulos olhavam uns para os outros, duvidando de quem ele falava. Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava. E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é? Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa.[1]
A traição é caracterizada pela atitude de alguém que age, subitamente, de forma oposta à expectativa do traído. No texto evangélico não é isso que ocorre.  Jesus não é surpreendido por Judas; de certa maneira, é ele – Jesus – quem incita Judas a traí-lo. E mais, como pode o traído pedir ao traidor para que o traia depressa. Não faz sentido, a não ser que haja algum plano por trás dessa incitação. E, a meu ver, foi isso que Judas entendeu: minha leitura é que Judas obedeceu à ordem do mestre porque acreditava fortemente que Jesus encarnava o Messias prometido o qual investido de poderes divinos libertaria o povo eleito (os judeus) do jugo romano. Para sua frustração e desgraça Jesus agiu de maneira oposta ao que Judas esperava, entregando-se para ser condenado à morte sem qualquer menção de maldição e revolta àqueles que o condenaram e, se isto não bastasse, rogou a Deus que os perdoasse!

Neste contexto, é oportuno lembrar expressão rodriguiana[2] perdoa-me por me traíres, ou seja, o traído provoca a traição no traidor. O traído é a fonte geradora da culpa no traidor.

Para aqueles que assim não compreendem só resta aguardar ansiosamente o próximo sábado de aleluia, construir um boneco com roupas velhas, enchê-las de palha e tocar fogo no pobre boneco e assistir a cena com a histeria própria das almas azedas mescladas de ódio e ignorância.

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] João 13: 21-27
[2] Nelson Rodrigues, Tragédia de Costumes, 1957.


Comentários

  1. Caro Humberto, nunca vi sentido nesse ato bárbaro de malhar Judas. Estou com saudades da sua presença. É muito bom estar com você e ouvir suas histórias. Ao menos por aqui posso ler os faróis reluzentes das suas palavras. beijos.

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