09/01/2018
Hermenêutica espírita[1]
O jeito com que foi estruturada, a Doutrina
Espírita esvaziou um possível e necessário exercício hermenêutico, porque
Kardec, da forma mais honesta possível, tentou esgotar as dúvidas através de
perguntas e respostas. À parte a intenção nobre de Kardec e sua aguda
curiosidade, este modelo pedagógico trouxe um problema para os adeptos da
doutrina: a indução de uma leitura pobre no exercício de pensar e ausência do
debate nos grupos de estudo. Obviamente, a culpa não é dele - Kardec.
As lições são colocadas aos neófitos como uma
construção pronta e acabada, embora os instrutores insistam que não há fixidez
na doutrina espírita, como há em outras correntes espiritualistas.
No Brasil, o que era ruim ficou pior com edições de
centenas de livros espíritas lançados pelo mercado editorial especializado, em sua maioria de cunho evangélico-cristão com requintes
de dolorismo[2]
e conformismo místico[3]. O
quadro foi agravado pela baixa qualidade do ensino secular (veja-se os índices do IDEB).
Contrariando a expectativa do próprio
Kardec, o Espiritismo tornou-se uma religião com viés de seita baseada na
estrutura doutrinária dogmática anatematizante e reativa. Nas escolas de
doutrina espírita não há espaço para discussão de obras de autores não
espíritas.[4]
Existem alguns argumentos para explicar esse fenômeno no Brasil que não cabe
discuti-los neste momento.
O sintoma é evidente: nos cursos
ministrados em casas espíritas é raro algum orientador indicar livros fora do
códex doutrinário, e quando o faz corre o risco de ser classificado como "herético" pelos fariseus de plantão. Resultado: ausência do exercício hermenêutico tão necessário para a
dinâmica sonhada por Kardec resultando no empobrecimento do estudo da doutrina
espírita tão rica em conteúdo.
[1]
Hermenêutica é um ramo da
filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode se referir tanto à
arte da interpretação quanto à prática e treino de interpretação.
[2] Doutrina moral que faz apologia
da dor.
[3] Ajustamento em nome de algo
sagrado.
[4] Kardec
compilou um livreto chamado Catálogo Racional – Obras para se fundar uma
biblioteca espírita – pouco conhecido, diga-se de passagem – publicado depois
de sua morte onde ele relaciona obras de diversos autores e diversas correntes
espiritualistas, inclusive obras contra o Espiritismo.
Comentários
Postar um comentário