"Todas as ações são
egoístas, motivadas pelo interesse.”
Esta teoria é muito difundida: existem versões dela no behaviorismo, na
psicanálise, no marxismo vulgar, no pensamento religioso e na sociologia do
conhecimento. No entanto, é claro que esta teoria e com ela todas as suas
variantes, não é falsificável: nenhum exemplo de ação altruísta pode refutar a
ideia segundo a qual existiria nela uma motivação egoísta oculta.
Karl Popper em O realismo e a Ciência.
Pensando bem, aqueles que se
dedicam à caridade beneficente[1]
devem saber que não fazem grande coisa, porque o bem feito pela troca de outro
bem (no caso espírita a “salvação”) é um bem menor; o bem maior é aquele que se
troca por um mal.[2]
Gibran[3]
coloca essa questão em xeque o sentimento que brota das entranhas do doador ao
dizer que o doador é apenas testemunha do ato de doar, ou seja, ninguém
doa nada a ninguém, porque ninguém tem posse de nada, ou possuindo, estará na
posição de possuidor apenas em condição precária.[4]
É necessário dizer que a
caridade, através da gratidão do outro ilumina, de alguma maneira, a alma do doador. Aí reside uma sutileza: o doador para ser iluminado dependerá do
outro, enquanto que o exercício do bem maior traz iluminação a todas as partes
envolvidas, e as torna luminosas. Essa sutileza compreende a percepção de que o
iluminado é aquele que depende de uma fonte de luz externa para se iluminar;
enquanto o luminoso possui luz própria não depende de fonte externa alguma.
Voltando a Theodore Dalrymple[5], certamente
baseando-se em Edmund Burke, Hannah Arendt e outros que tratam das singularidades de nossa espécie, não se pode esperar bondade do coração humano,
enquanto humano.
Jesus já dissera ao rapaz que o
chamara de “bom mestre”: “bom só Deus o é.”. Das duas uma: Jesus se fez de humilde
dizendo que não era bom – e isso é um paradoxo, uma vez que a humildade não
pode ser produto do pensamento discursivo; ou Jesus afirmara ao rapaz que não
era bom, porque sabia que não o era (pelo menos no sentido que damos à palavra “bom”).
Ora, se Jesus considerava-se não-bom, quem na Terra poderá afirmar que o é?
Vejo religiosos, com
voz trêmula, chamando Jesus de “senhor”, de bom, de divino numa tentativa
insana (e inconsciente, penso eu) de bajulá-lo. Como a passagem evangélica mostra[6]
Jesus não gostava de bajulação. No “céu” não existem bajuladores, porque em seu
Apocalipse, João vai dizer que Deus os vomita. Bajuladores seriam os mornos do
livro bíblico, aqueles que agem de uma maneira tão asquerosa como a substância
vomitiva.
Jesus aceitou do rapaz que o
interpelara a qualificação de mestre, isto lhe bastava.
Disso tudo resulta a pergunta
inevitável: se fora da caridade não há salvação, haverá salvação dentro dela?
[1]
Beneficente significa o ato de dar
algo material a alguém, portanto bem diferente do ato benemerente no qual o
objeto da doação é intangível.
[2]
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai
pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai
que está nos céus; Mateus 5:44
[3]
Gibran Khalil Gibran (06/01/1883-10/04/1931)
ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa.
A citação está na obra “O Profeta”.
[4]
Mas Deus lhe
disse: Insensato, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado,
para quem será? Lucas, 12:20
[5]
Pseudônimo de Anthony Daniels
(1949-) citado por Maurício G. Righi em “Theodore Dalrymple A Ruína mental dos
novos bárbaros”, É Editora.
[6] Esta passagem já foi citada em outro texto publicado neste Blog.
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