“... porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes”.[1] Jesus.
Pedí, e
dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo o que
pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á. Ou qual
dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra?
Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?
Se vós,
pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso
Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem? Portanto,
tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles;
porque esta é a lei e os profetas.[2] Jesus.
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Sendo criança, se você possuísse um pai muito
inteligente e que soubesse de suas demandas mais importantes, haveria a
necessidade de pedir-lhe que as atendesse?
Se você concorda que a premissa acima é razoável,
imagine que este “pai” seja Deus – o qual, segundo os espíritos , é
“inteligência suprema do Universo e causa primária de todas as coisas.”[3] Portanto, a consciência desse “pai” sobre nossas
demandas é absoluta, porque não sujeita ao ângulo estreito de visão que compõe
naturalmente a visão humana.
Posto isso, vamos avançar um pouco mais...
É sabido que Allan Kardec compôs O Evangelho
Segundo o Espiritismo sob orientação dos espíritos, portanto um livro
arquitetado por “ambos os lados”.
Esse livro é composto por 28 capítulos dos quais o
último é uma coletânea de preces – como se fosse um anexo. Dessa forma, podemos
considerar o último capítulo de estudo doutrinário como sendo o 27º o qual tem
o título “Pedi e obtereis”. A encrenca começa no título. Por quê?
Porque há um ditado que diz: “cuidado com o que
pedes a Deus, pois poderás ser atendido.”[4] A
advertência vem do fato de não sabermos exatamente do que precisamos; daí a
ironia na frase.
Um psicanalista de linha lacaniana escreveu um
livro no qual faz uma distinção entre “querer” e “desejar”[5].
Enquanto eu quero fazer dieta para emagrecer, o meu desejo não se alinha com a
dieta por suspeitar que emagrecendo fique mais atraente e com isso abro caminho
para novos relacionamentos que poderão me levar ao sofrimento, ou seja, faço
todas as dietas possíveis e imagináveis, mas não consigo emagrecer, ou se
consigo, logo em seguida volto a engordar por alguma razão, não raro,
inconsciente.
Nem sempre o querer alinha-se ao desejar; quase sempre não se alinha. Portanto, imaginando que Deus satisfaça a minha ânsia de querer algo - qualquer coisa -, somente
serei atendido se for necessário e suficiente, caso contrário vou seguir
pedindo ad eternum.
Jesus adverte que, para Deus, fórmulas também não
funcionam[7], por exemplo: rezar 40 pais-nossos, 20 ave-marias e 12
Credos, segundo ele, serão inúteis. Também não duvido pessoas há que acreditam não serem atendidas porque o
número de rezas não era aquilo que Deus gostaria que fosse para aquele caso específico e
deveriam ter feito 45, 22 e 15, respectivamente. Uma tolice.
Esse mesmo alguém indagará: mas Jesus não ensinou o
Pai Nosso? Sim, e parece contraditório, mas a fórmula não significa nada. O seu
conteúdo é que interessa. Tratarei desse conteúdo em outro momento.
Para fechar, volto à estrutura de O Evangelho
Segundo o Espiritismo. Certo dia me perguntei: por que o último capítulo
(doutrinário) desse livro possui esse título “Pedi e obtereis”? E cheguei à seguinte conclusão: observando as advertências e ensinos contidos nos 26
capítulos anteriores, será desnecessário pedir, porque introjetei e entendi que
Deus sabe de minhas necessidades antes mesmo que elas surjam e
porque estou pleno de consciência dos meus limites; contudo, não os
observando, será inútil pedir, porque não compreendi aqueles ensinamentos e me falta a noção de minhas
possibilidades. E mais, sendo Deus a “Inteligência Suprema do Universo”, Ele não
mima ninguém como ensinam as religiões para idiotas.[8]
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Mateus 6:8
[2] Mateus 7:7-12
[3] O Livro dos Espíritos –
questão nº 1
[4] Exemplo dado é daquele que pede paciência a Deus (supondo, é
claro, que Deus dê alguma coisa às suas criaturas que não seja apenas a Vida e
o resto corre por nossa conta). Ao atendê-lo, automaticamente, surgirão
situações muito difíceis em que terá de demonstrar essa virtude - a paciência.
[5] Você quer o que
deseja? Jorge Forbes, 2003, Editora Best Seller
[6] Arthur Schopenhauer (22/02/1788-21/09/1860), em Dores do
Mundo, Edições de Ouro. Baseado em Schopenhauer, Ubiratan Rosa vai dizer:
Nem sempre querer é poder, quase nunca o é, decididamente nunca o é! Querer é
sofrer, porque, se verdadeiramente podemos, não precisamos querer, mas o que
temos em potência vamos transformando em ato, de maneira sub-reptícia, mais ou
menos inconsciente, natural, espontânea, subliminar, e por essa transformação
nos vamos dirigindo harmoniosamente, ordenadamente, para o nosso próprio lugar.
Já o dissemos algures: "Quando intrinsecamente eu sou, não preciso querer;
já sou. Se quero ser, é porque não sou, e não serei nunca, ao menos na medida
capaz de me satisfazer. Os que querem são sempre insatisfeitos, porque não lhes
é dada a plenitude dos que são, e que, pelo já serem, não precisam querer. Não
tenho de querer. Tenho de ser, ser o que sou. E o que sou? Isso eu tenho de
descobrir, isso eu tenho de saber. Para sabê-lo, não vou perguntar a ninguém,
pelo simples motivo de que ninguém sabe para me aclarar o entendimento. Desde
que sou alguma coisa, vou observar essa coisa que sou, para conhecê-la, e
conhecer-lhe os reais limites de ação."
[7] E, orando, não useis de vãs repetições, como os
gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos. Mateus, 6-7
[8] Expressão de Luiz
Felipe Pondé em Espiritualidade para Corajosos.
A prece ao meu entender deve ser a conduta de vida, quando está trabalhando está em prece, assim quando está amando, dançando, estudando, quando se realiza sempre algo que edifica a si mesmo e auxilia o seu redor estamos em prece.
ResponderExcluirOu seja, às favas com as fórmulas com voz tremida e dolorosa.
ExcluirWellington sigo o mesmo raciocínio. Pai, fica mais autêntico sem o espetáculo.
ExcluirDiga-se de passagem, o que está contido em Mateus: "tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também a eles", está escrito com outras palavras, mas com o mesmo sentido, em Tobias 4:15: "Aquilo que não quereis para ti, não o faça aos outros".
ResponderExcluirNo que concerne ao eixo da sua reflexão, concluo que num universo humano de variados graus de conhecimento, inevitavelmente há grupamentos que têm necessidade de "pedir" em rezas ou em outras fórmulas, enquanto outros (e eu me situo aqui) norteiam a vida tão somente na busca do aperfeiçoamento interior, como forma de merecimento por eventuais (não necessárias) dádivas. Nada de pedir.
Tenho mais para falar sobre a prece. Obrigado pelos comentários.
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