17/07/2017
Morte,
ponto final da última cena,
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!
Augusto
dos Anjos em “Cismas do Destino”[1]
No Livro dos
Espíritos, base da doutrina Espírita, Allan Kardec dedica algumas questões ao
tema “morte”[2].
Lá, Kardec a chama de “Retorno da Vida Corpórea à Vida Espiritual”. Parece um
eufemismo, mas essa expressão é sintomática, porque o Espiritismo – como
doutrina – trata exatamente da sobrevivência da alma após a morte física; logo,
a morte em si não existe.
Apesar desse conforto
trazido pela doutrina, não é fácil encarar a morte como algo natural, até para
espíritas mais convictos.
Como eu disse
anteriormente em outro texto Buda entendera que há quatro situações ou
acontecimentos que nos levam ao sofrimento: nascimento, doença, velhice e
morte. À primeira vista, isto parece óbvio, mas a análise budista desses temas
aprofunda-se nessas questões levando-nos a refletir sobre elas sem rodeios.
Mesmo respaldados
pela força dos fenômenos mediúnicos e a solidez dos argumentos oferecidos pela
Doutrina Espírita sobre a existência do mundo espiritual, o ser humano encara a
morte com estresse, luto, falta e solidão. Não há escape. Então, perguntas importantes
surgem, naturalmente:
Como lidar com o
luto?
Como encarar a
ausência de um ente que esteve muito presente em nossa existência?
Como podemos lidar
com o desapego?
Qual o motivo que
leva alguém a liquidar a própria existência pela via do suicídio? (a OMS registra um suicídio por minuto, no mundo).
Como pensar numa
velhice feliz com tantas dificuldades e a aproximação da morte?
Quaisquer respostas
apressadas seria leviandade. Há aquelas otimistas demais e há as pessimistas ao
extremo.
Um exemplo de visão otimista da morte vem de Divaldo Pereira Franco que costuma dizer: o Espiritismo matou a morte. Algo que eu não concordo, mas
isso já foi tratado aqui.[1]
Um exemplo pessimista, vem da frase atribuída a Stephen King – escritor americano: a velhice é uma ilha cercada de
morte por todos os lados.
Apesar de pertencer a
outro contexto, faço um gancho na conhecida frase de Marx: “tudo o que é sólido
se desmancha no ar”. A frase é boa para falar sobre a morte.
Antes, volto ao
budismo e aos gregos. Uma das bases dos ensinos do Buda é a ideia de
“impermanência” – ideia que causa calafrios a um ocidental clássico
contemporâneo. Tanto que Sidarta[2] alerta para o
perigo de divinizar a sua pessoa, porque isto seria o equivalente a torná-lo
permanente. Heródoto Barbeiro diz que “ser budista é compreender que Sidarta, o
Buda, era um ser humano, e não um deus.”[3]
Por outro lado, os
gregos também consideravam a questão da impermanência como dado facilmente
verificável. Em Heráclito de Éfeso, depois o seu discípulo Crátilo e mais tarde
Simplício desenvolvem o conceito de “devir”, simplificado na ideia de que tudo
possui pares de contrários interdependentes: saúde/doença; alegria/tristeza;
nascimento/morte; portanto, tudo flui. Disso resulta a frase conhecida por
todos: Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio.
Essa dualidade em que
todos nós estamos imersos está, inteligentemente, marcada na letra da canção “Certas Coisas” de
autoria de Lulu Santos e Nelson Motta.[4]
Sem que nos tornemos
morbidamente cultuadores da morte, ou que, intelectualmente, a rechacemos como
queria o poeta Augusto dos Anjos, temos de entender que ela faz parte da vida e
que fugir do tema só agrava a angústia existente pela sua inevitável
onipresença.
Difícil? E quem disse
que seria fácil?
[1] Prefácio
de O Evangelho Segundo o Espiritismo e Identificação Psicológica.
[2] Siddhartha Gautama, é
popularmente chamado simplesmente de Buda ou Buddha, foi um príncipe
de uma região no sul do atual Nepal que, tendo renunciado ao trono, se dedicou
à busca da erradicação das causas do sofrimento humano.
[3] Budismo por
Heródoto Barbeiro – Bella Editora
[4] Não existiria som / Se
não houvesse o silêncio / Não haveria luz / Se não fosse a escuridão / A vida é
mesmo assim / Dia e noite, não e sim.
[1]
Augusto dos Anjos (20/04/1884-12/11/1914) em
Eu e outras poesias
[2]
O Livro dos Espíritos – questões nºs
149 a 165.
Se a impermanência é facilmente verificável, permanência e morte são uma dicotomia inconciliável.
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