28/08/2018
Em
uma de suas 4 Nobres Verdades, Buda
ensina que o apego é a fonte de nosso
sofrimento. Essa simples e quase óbvia constatação do Buda embute um enorme
desafio e uma urgente forma de observar nossas tendências normalmente escondidas nas profundezas da alma.
A
constatação, de que ao final perderemos tudo que orbita em torno de nossa
existência – dada a inexorável transitoriedade - é, em si mesma, o processo pelo
qual imergimos no sofrimento.
João,
o batista, informa aos seus seguidores que o seu primo – Jesus - seria alguém que
batizaria a todos, não com água como ele próprio fazia, mas com fogo (Mateus,
3-11). Eu entendo esse
“fogo” como o meio pelo qual os nossos valores habituais seriam incinerados - um
deles o apego.
Neste
passo do texto evangélico, citado acima, fica evidente que o ensino do Cristo
não é para mimados e gente que busca espiritualidade em workshops.
Ora,
se somos apegados – e quanto mais apegados, infere-se, maior o grau de sofrimento – é
óbvio que o antídoto para isso é o desapego. Neste caso, surge um novo
problema: a indiferença.
Por que a indiferença é um problema? Porque não somos capazes de lidar com esse
duplo desafio – ser desapegado sem ser
indiferente. Portanto, a indiferença seria apenas o desapego com o sinal trocado - uma forma sofisticada de desapego; seria
como ser apegado ao desapego.
Para
mim, é mais desejável que vivamos com o desconforto da consciência do apego do que com a
frieza da indiferença. No apego o afeto indica sinal de vida – mesmo sendo
obstáculo à alegria; ao passo que a indiferença pode brotar do medo do
desconforto. Uma vez instalada, a indiferença torna-se um sentimento cruel ao
mesmo tempo provoca perda substancial de vitalidade, como também ajuda na
construção da antessala de um quadro psicopatológico (uma das características
de um psicopata é sua falta de empatia).
Para
resolver esse imbróglio emocional, Buda, inteligentemente, propôs o Caminho do
Meio.
O
leigo em Budismo dirá que o Caminho do Meio cheira àquilo que o senso comum chama
de “ficar em cima do muro”. Um estudo mais aprofundado da filosofia budista
mostrará que não é bem assim: o Caminho do Meio exige grande empenho por parte
de quem o busca, porque exige uma efetiva e constante administração das tensões
e desafios que surgem tanto na vida de relação quanto no campo mental, interior, psicológico.
Difícil? Quem
disse que seria fácil?
E
se disse, mentiu.
Muito bom pai, nada é fácil e muito menos rápido!
ResponderExcluirGostei demais da forma como você soube discernir a respeito da dicotomia apego-desapego, em que o primeiro é uma das causas do sofrimento expressas por Buda, mas que o segundo pode se traduzir na indiferença, não menos penosa que o apego. Se é que eu entendi. Extraordinário texto, ainda mais tendo como realce aquilo que o Buda chama de Caminho do Meio. Acho, entretanto, que com o desapego o ser atinge alguma forma sublimação a qual pode bloquear o surgimento de uma psicopatologia. Isso considerando o alto grau de desenvolvimento interior que, é possível se atingir. Quanto a nós, meros mortais aqui das bandas do Ocidente ...
ResponderExcluirAuri Malveira
No meu entender o que buscamos nessa nossa fugaz vida é o equilíbrio ou como bem colocou , o caminho não meio.
ResponderExcluirDifícil aprendizado.
Sem dúvida buscamos o equilíbrio, através do caminho do meio. Importante ter consciência que o equilíbrio é uma posição entre dois opostos ou extremos, portanto, é uma posição temporária enquanto ainda não temos a capacidade plena de nos posicionarmos no extremo que corresponde à Justiça, ao Amor e Caridade.
ResponderExcluirCaro (a), do pouco que sei, o apego no Budismo, se refere a apego à Ilusão. Assim, praticar o desapego não seria buscar a Verdade? A Verdade que nos libertará de todas as formas de Ilusão? E, se assim for, o dilema da indiferença (falta de compaixão) não existirá.
ResponderExcluirAmigo (a), você abordou um tema da mais alta importância. Do pouco que sei, apego - segundo o Budismo (ou mesmo o Cristianismo) é o apego às ilusões. Assim, o caminho para o desapego nao seria a busca pela Verdade? Verdade que nos libertará de todas as ilusões? E, nesse caso, o dilema do desapego como indiferença (falta de compaixão) deixaria de existir.
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