22/09/2017
Muita gente confunde os termos “religião” e
“religiosidade”. Entretanto, são coisas distintas. Por um lado religião indica um
conjunto de crenças conduzido por um grupo maior ou menor de pessoas que
simpatiza e acredita na verdade daquele conjunto de crenças e realiza rituais e
liturgias; por outro lado, religiosidade seria a prática de uma determinada
filosofia religiosa ou não necessariamente religiosa: uma pessoa pode ser ateia,
agnóstica, não pautar a sua vida em crenças ou dogmas específicos, mas ter uma
prática ético-moral que se aproxima do que há de mais nobre nas religiões.
Sob olhar interno, atento e interessado venho observando uma persistente burocratização dentro dos espaços espíritas
que me incomoda bastante. Não que essa burocratização seja desnecessária de
todo - já disse em outro lugar que temos de pautar nossas relações
institucionais por uma disciplina, por um estatuto e por uma organização mínima
possível para que o funcionamento dessas instituições se torne exequível. A
disciplina é, indiscutivelmente, ordenadora. Contudo, é importante que os
membros de uma instituição como um centro espírita fiquem atentos à advertência
do Cristo para que essa burocracia mínima não torne o sábado mais importante que o homem.
Pego o exemplo do “evangelho no lar”: o
problema que aponto não é a prática em si que considero salutar, sobretudo para
as crianças e adolescentes, que em sua formação, tem a oportunidade do contato
com ideais nobres e orientações ético-morais importantes, além de promover certa
disciplina, certo rigor estético e o refinamento do olhar dentro do caos em que
vivemos.
Meu interesse está nas motivações desse
costume transformado em mero protocolo religioso, em prática burocratizada, de
uma artificialização; um olhar mais profundo dessa prática pode ser útil no
desenvolvimento de uma religiosidade criativa, crítica e de
autodesenvolvimento. Penso que somente dessa forma evita-se uma prática
mecanizada que impede o florescimento de uma vida rica, refletida e menos fingida – uma vida que vale a pena ser vivida.
Toda vez que quiserem ritualizar,
hierarquizar, burocratizar e confinar a religiosidade a um manual, uma cartilha,
um protocolo estaremos assistindo ao surgimento do seu oposto.
Cuidado! Essa prática a qual chamo de
antirreligiosa poderá se revelar travestida e justificada como “costume
cultural”; “busca natural do simbólico”; “forma variada do sagrado”. O
Evangelho – como eu o entendo – é um desafio profundo, não é um manual de boa conduta
social. A “boa conduta” deve ser consequência e não causa.
De nada vale confinarmos a vida – naturalmente
cheia de contradições, num momento artificialmente criado com ares de “paz,
harmonia e entendimento” se não refletirmos sobre nossos desencontros e
colisões entre o simbólico e o real, antes e depois dele – o “Evangelho no
Lar”.
Tornar o “evangelho no lar” num ritual domesticador,
inevitavelmente, me remete ao que disse Millôr Fernandes: a família que reza unida permanece rezando.
Difícil? E quem disse que seria fácil?
O seu texto, Humberto, é profundo, sem deixar de ser bastante didático. A única observação cabível (mas não uma crítica) é que os rituais e manuais de boa conduta podem ser necessários e adequados a uma grande legião de seguidores e aprendizes de religiosidade, diferentemente daqueles que, como você, está situado num patamar muito mais elevado de religiosidade, como presumo.
ResponderExcluirAuri Malveira
Prezado Auri, obrigado pela contribuição. Você tem razão, o problema não está no uso desses manuais ou na prática de alguns rituais; o problema situa-se no tempo em que os utilizamos. Chega um momento que temos de tomar a nossa própria vida nas mãos e vivermos de forma autoral, assumindo riscos e não tendo medo de errar. Nessa fase os manuais poderão ser, eventualmente, consultados. Não podemos viver autonomamente seguindo manuais. É Jesus dizendo-nos "queres me seguir, então tome a tua cruz e siga-me"
ExcluirHá algum tempo deixamos de praticar o evangelho no lar, pois percebemos que havia uma rotina diária e que não estava em consonância com a liberdade proposta e sistematizada por Kardec. Observarmos uma tendência ao dogmatismo e aos rituais nas casas espíritas, talvez por influência do catolicismo tão arraigado no movimento espírita brasileiro (não sei como é no exterior). Portanto finalizando, fico com a proposta de Kardec, onde não há dogmatismo, rituais, manuais, mas muita leitura. Leitura estás de caráter amplo, filosófico, para não cairmos em textos consoladores que nos deixam resignados como muitos indicados e comercializados em várias casas espíritas.
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