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ÉTICA E ESPIRITUALIDADE


25/08/2019

Em especial para os espíritas “espiritualidade” pressupõe a existência de seres que existem antes e depois da morte em um Universo paralelo – os espíritos e o mundo espiritual.

O termo pode assumir outras significações – sua semântica é ampla e complexa, tanto que Hegel utiliza o termo “espírito” de maneira diversa ao que entendem os espíritas. E por aí vai...

Posso arriscar dizer que Espiritualidade é aquilo que dá sentido à vida. Nesta chave também é possível colocar o seguinte:

Pode-se imaginar uma espiritualidade ateia – aquela que negaria a existência de Deus, ou uma espiritualidade cética – aquela que duvidaria da sobrevivência do espírito humano após a morte?

A meu ver, no livro já citado por mim “Ética é mais importante do que religião?” essa questão é colocada em debate. E inferi de sua leitura a resposta para a questão acima: sim, é possível imaginar uma espiritualidade que opera naquelas condições, desde que dentro de um horizonte ético. Ao invés de empobrecer o debate sobre esse assunto cuja importância é inegável por trazer significado à vida humana, haveria o enriquecimento da vida e do pensamento alargando-os e aprofundando-os, embora alguns espiritualistas tolos insistam em fincar os seus pés de barro na ideia de uma doutrina chumbada em conceitos carcomidos pelo tempo.

Desse ponto onde paramos é um passo para entrarmos no campo da “religiosidade” – termo que não implica, necessariamente, “religião”.  Não é minha intenção tratar disso neste momento.

Aqui vem minha provocação: de tudo isso concluo que a religião é o confinamento da espiritualidade no plano de regras, usos, costumes e rituais na tentativa de possui-la por inteiro, tratando-a – a espiritualidade - como verdade absoluta num esquema institucionalizado, embora as religiões cumpram um papel social importante.

Concluindo: uma espiritualidade cuja base é a Ética não precisará da religião para dar sentido à vida; contudo, a religião deve surgir no terreno da Ética para não se transformar numa instituição afastada de uma agenda positiva, minimamente edificante.

O religioso deve pensar e agir eticamente, antes de ser religioso. Em tese, a Ética é o aval para a prática religiosa e não o contrário, porque a ação ética é livre de coerção.

Comentários

  1. Do que apreendi da sua reflexão, sobre o tema "Ética e Espiritualidade", só me cabe um elogio pela profundidade e coerência no texto. Parabéns, irmão.

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  2. Grato irmão. São bem-vindos os elogios tanto quanto as críticas.
    Abraço fraterno

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