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VIM VI E NÃO VENCI

Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo.

João 16

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Veni, vidi, vici 

É uma expressão em latim que significa em português "Vim, vi e venci".

De acordo com a história, esta frase ficou famosa pelo líder político e militar na República Romana, Júlio César, que enviou uma carta ao Senado Romano, em 47 a.C., descrevendo a sua vitória sobre Fárnaces II, rei do Ponto, durante a Batalha de Zela.

A intenção de César, além de se autoproclamar um vitorioso e conquistador, também foi alertar aos senadores romanos sobre o seu grande poder militar, visto que Roma passava por uma intensa guerra civil.

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Toda a existência humana se estrutura na ideia de vencer. Quando não de fato, nem de direito, pelo menos na imaginação, ou se quiser no inconsciente de quem busca a vitória final.

Ocorre que a existência humana tem começo, meio e fim.

No fundo, e não é difícil verificar, todo investimento feito ao longo de uma existência tem por finalidade vencer obstáculos, transpor prejuízos e decepções e ganhar alguma credibilidade. Acontece que, ao final, todo esse investimento zera para os que não acreditam em vida depois da morte; ou se transforma em outra coisa depois da morte para aqueles que acreditam nela.

O que sobra, de um lado, é a vaidade de quem se acha vitorioso; de outro, a humilhação e desespero dos que caíram pelo caminho.

É bom lembrar que Júlio César veio, viu e venceu só por um momento. Sua vida terminou tragicamente, como conta a História.

Não se trata, portanto, de vencer os outros numa corrida alucinada pelo sucesso, mas algo que palpita dentro do ser que morre bem. E sabemos que morrer bem é raro.

E é raro, porque a vaidade nos acompanha e ela nos ilude com a ideia de “vitória” sobre o mundo, mas, desgraçadamente [para os vaidosos] o mundo responde quase sempre, se não sempre, com a derrota: do guloso, pelas doenças do trato digestivo; do invejoso, pelo sucesso alheio que a ele se apresenta; do irado, pelas doenças cardiovasculares; para o preguiçoso, pelo relativo conforto dos que trabalharam; para o avarento, pela perda do poder acumulado e que se transfere para outros; para o concupiscente que vê suas forças físicas se desmancharem com o tempo; enfim, para o vaidoso que vê sua importância diminuir de forma incontrolável pela substituição de outros. Mais do que as anteriores, a perda de importância pessoal é, sem dúvida, a mais amarga de todas.

No mundo de hoje, coalhado de gente buscando sucesso e soltando alegria pelos poros nas redes sociais, fica cada vez mais difícil entender o Mestre pondo na mesma linha as palavras “aflição” e “vitória”.

A dimensão da vitória da qual o Mestre se referia estava ligada ao seu despojamento radical e à sua humildade genuína.

Por isso, diz o Eclesiastes: vaidade de vaidades, tudo é vaidade[1].

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1]   Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.

Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.

Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?

Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.

Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.

O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.

Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.

Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.

O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.

 Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.

Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, entre os que hão de vir depois.

Eclesiastes 1:1-11

Comentários

  1. Excelente reflexão. Penso que a vitória está sobre nós mesmos. No bom combate contra nossas imperfeições morais.

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  2. Concordo plenamente com o comentário acima...batalha já tão difícil...como querer, ainda, entabular outras com o mundo afora?

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  3. Por isso o poeta celebra às quartas-feiras, sobre o nada, em cafés engordurados. A vitória tem memória fraca.

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