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VIRTUDE NÃO É PARA FRACOS

Sim, as virtudes não são para fracos!

A ação virtuosa exige um grande despojamento de si, e isso torna-se cada vez mais difícil para aqueles que, com suas mochilas existenciais cheias de narcisismo e insegurança, enfrentam um mercado cada vez mais competitivo e desumano.

 Por exemplo, Pondé afirma que:

 Eis uma das maiores tragédias do amor: ele não é garantia de uma vida feliz, tampouco amorosa.

O conflito entre amor e razão é um clássico, por isso as fraquezas do amor diante de todas as causas para evitá-lo. Uma vida segura é uma vida sem paixões, apesar das mentiras que contam sobre isso. A contar pelo número de infelizes que caminham sobre a Terra, o amor sempre foi um recurso escasso e arriscado. Quem ama sempre sofre. A começar pelo perder a si mesmo, pelo descontrole dos procedimentos de sobrevivência, pela desistência de combater os fracassos.[1] (sic) (destaque meu).

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Como há, para o amante, uma boa chance de sofrer e de não ter certeza de ganho, não é de se esperar que criaturas cozidas num ambiente pouco altruísta, com metas a cumprir e ganhos cada vez mais altos – uma espécie de ISO 9000[2] existencial, tenham disposição para amar com alto risco de sofrer, não é mesmo?

Fracassar é um verbo indigesto aos que vivem neste mundo neoliberal. Algo aparentemente oposto ao que o apóstolo Paulo dizia: quando sou fraco é que sou forte.

Essa antinomia [3] do apóstolo parece boba e sem sentido para os que vivem sob o peso do "mercado", mas é extremamente sofisticada. Primeiro porque, paradoxalmente, tenho de ser psicologicamente muito forte para assumir sinceramente as minhas fraquezas; segundo, porque quando tenho consciência das próprias fraquezas e, constantemente, as peso, as observo sem justificativas ou condenações, então me fortaleço.

Esse fortalecimento vem à existência numa espécie de giro psicológico, que os psicanalistas chamam de “insight” [4] onde o analisando [5] percebe a raiz de alguma fobia ou de algum trauma que até aquele momento mantinha-se inconsciente, e nesse percebimento acaba desarmando ou diminuindo o fluxo daquilo que o transtornava.

Resumindo: a prática da virtude exige grande coragem e determinação, porque não se tem certeza de que com ela pode-se chegar à felicidade, ou da frenética busca por resultados positivos do mundo de hoje.

Se você é do tipo apontado pelo filósofo coreano Byung-Chul Han, que quer viver sob analgesia o tempo todo, fugindo de dores e frustrações naturais da vida [6] e quiser ser virtuoso, amando sem o risco de sofrer, sugiro duas opções:

Pare com essa ideia: não ame. Procure outra coisa útil para fazer.

Ame intransitivamente, como sugere Padre Vieira em seus sermões, chamando-o de Amor Fino:

O amor fino não busca causa nem fruto.

Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter por que nem para quê.

Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois, como há-de amar o amor para ser fino? Amo, porque amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar.

Quem ama porque o ama é agradecido. Quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.

Padre Antonio Vieira, Sermões.

Difícil? Quem disse que seria fácil?

[1] Amor para Corajosos – Reflexões proibidas para menores, Luiz Felipe Pondé, Editora Planeta.

[2] A ISO 9000 é um conjunto de normas técnicas internacionais que estabelecem padrões e diretrizes para a gestão da qualidade de produtos e serviços. O objetivo é ajudar as empresas a garantirem que os seus produtos e serviços atendam às necessidades dos clientes. A ISO 9000 é composta por várias normas, entre elas a melhoria constante. 

[3] Antinomia: contradição entre proposições, princípios ou ideias. Contradição entre leis.

[4] Insight: simplificadamente, pode ser entendido como um percebimento súbito de algo que estava escondido ou não revelado.

[5] Analisando: é a pessoa que está em análise, ou seja, em um processo de escuta e investigação do inconsciente. A análise psicanalítica é um processo individual, que ocorre em um ambiente analítico e é conduzida por um analista. 

[6] Ver o livro Sociedade Paliativa: a dor hoje, Byung-Chul Han, Editora Vozes.

Comentários

  1. Virtuoso, para mim, o padre Júlio Lancellotti. Ele vive o que prega.
    Tive a oportunidade de ouvi-lo pessoalmente e de sentir a sua vibração firme benigna.

    Ele próprio fala de si citando Darcy Ribeiro:

    “Fracassei em tudo o que tentei na vida.
    Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
    Tentei salvar os índios, não consegui.
    Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
    Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
    Mas os fracassos são minhas vitórias.
    Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

    Conclusão, virtude é para os fortes.

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